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A mostrar mensagens de outubro, 2009

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A chuva em pingos lambe escorre das fachadas Sigo mudo obedeço cego maldito quotidiano Pessoas folhas caídas pisadas Arrastadas para as valas comuns do metropolitano

Telegrama 035

035 Ao que me é dado ver, em cinquenta anos apenas a mulher passou de «proibida de trabalhar» a «obrigada a trabalhar». Mais, aquele que era então o ordenado do pai de família médio equivaleria aos actuais ordenados acumulados de ambos pai e mãe de família médios. Mais ainda, os avós úteis de há meio século tornaram-se hoje nos velhos que só estorvam.

Bloco de notas: Domingos Bucho.

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Esta é à laia de documento histórico, com data, anotações, título da conferência; enfim, uma relíquia. .

Bloco de notas: valha-me nossa senhora.

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Rabisquei isto no República. Recordo-me que estava lá aquele gajo magro que depois foi lá morar na Matilde, como é que o gajo se chamava? Na altura todos concordámos que isto era meio gratuito. .

Carta ao senhor Palma

. Bom dia, bom dia, bom. . Espero em primeiro lugar que se não aborreça com a minha falta de etiqueta redactorial e ortográfica, a qual, senhor Palma, pelo pouco que até aqui houve para ver, já todos entendemos que fica largamente aquém das balofas vénias e Excelentíssimos e Ilustríssimos e demais íssimos que, bem sei, bem sei, são requisito mínimo nos dias que correm; mas quer-me parecer que nem eu estaria à altura de tamanha fineza, nem o senhor se sentiria mais obsequiado por eu me pôr em biquinhos de pés. Acabo de ouvir um álbum com músicas suas. Muito o tenho escutado ultimamente, aliás. Vai talvez para um ano que dei por mim frente a um escaparate de uma grande superfície a dizer Não conheço Jorge Palma, veja bem o meu amigo as coisas que por preguiça mental e por força do hábito insistimos em proferir, quem na altura me ouvisse diria numa lógica 1,2,3 que agora já o conheço, o que sabemos ser uma completa tolice, mas importará acrescentar que esse hipotético interlocutor seria d

Bloco de notas: o seu telemóvel já alguma vez explodiu enquanto carregava?

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Se a memória não me engana, desenhei isto numa aula de Biologia Humana. No telejornal da noite anterior tinha assistido a uma peça jornalística que falava do fantástico caso de um infeliz homem (normal) a quem o telemóvel rebentara ("elevou-se uns bons dez centímetros do tampo da mesa", exclamava o tipo, perfeitamente incrédulo) durante o carregamento da bateria, o que (como é óbvio...) o tinha deixado em verdadeiro estado de choque. Duma estupidez atroz, o repórter, ciente da tragédia grega que tinha em mãos e da sua ditosa missão de a dar a conhecer ao vulgo, não foi de modas: tratou de apresentar uma recriação do incidente e pôs na peça, em fundo, uma banda sonora digna dum filme de terror. A reportagem, no mínimo risível (até rebolei por cima do sofá), impressionou-me imenso. À distância, vejo-a como uma caricatura bastante apreciável da vida nas nações industrializadas: atulhada de tecnologias, encurralada em fobias e presa a um sensacionalismo televisivo que escapa semp

Mentira e contradição, constantes da vida e da arte 3

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Por só agora o ter lido, só agora o trago à conversa: "No fundo, há que reconhecer que a história não é apenas selectiva, é também discriminatória, só colhe da vida o que lhe interessa como material socialmente tido por histórico e despreza todo o resto, precisamente onde talvez poderia ser encontrada a verdadeira explicação dos factos, das coisas, da puta realidade. Em verdade vos direi, em verdade vos digo que vale mais ser romancista, ficcionista, mentiroso." P.S.: Insisto no risco das citações & transcrições. E de risco se tratando, desconheço se será decisão benigna ou maligna aos meus puros intentos. Talvez que baste a (boa) intenção. No caso, diga-se, apenas para que conste, cita-se A Viagem do Elefante , de 2008, o último (que o não seja também em termos absolutos) romance de José Saramago, a páginas duzentas e vinte e sete. A propósito de referências bibliográficas, será oportuno dizer que as primeiras citações, de André Bazin , foram retiradas da sua obra O que

Serpenteio vale acima

Serpenteio vale acima, envolto num bréu morno. Os faróis desbravam caminho no puré negro da lua nova. Levo o braço debruçado na varanda da janela com a língua de fora da boca a gozar o vento que lhe afaga o focinho. Os pinheiros-mansos cor de cinza despedem um trinado ramalhudo de grilos e sob a chapa parda do capô as válvulas fatigadas matraqueiam com langor o seu fado castiço. Pergunto-me se na minha ausência não terá algum espirituoso juntado às carnagens laterais do carro umas palas de burro, ou se é de fábrica que a besta só enxerga em frente. Serpenteio vale acima, num isolamento lunar. Fixadas nas duas margens da via, populações de placas e sinais amarelos, pretos, vermelhos e brancos miram-me à medida que passo. Numa rigidez de estátua, as suas faces luzídias reflectem o brilho metálico do fio da catana com que o meu carro fustiga o mato denso em que nos embrenhamos vale acima. A um toque áspero de um interruptor de plástico, a catana é embainhada e as placas e sinais somem-se

11am

A julgar pela quantidade de cabelos que povoam o lavatório hoje foste para o trabalho careca, penso eu, enquanto avalio frente ao espelho se poderei ficar mais um dia sem fazer a barba. Mas então percebo que o lavatório é um prato, o que na borda deixaste foram isso sim os pedaços de nervo que não quiseste, e que assim só levaste os cabelos mais bonitos. A estes, restos criteriosamente decepados da cabeleira, já eu os afoguei ralo abaixo. Nem espernearam. Enquanto despejo na boca da sanita o mijo matutino, matuto se não serei como esses cabelos: resto de comida, pêlo dispensável do todo cabeludo, ser inanimado que não estrabucha de cada vez que a enxurrada o empurra para o esgoto.

Bloco de notas: conferências & conferencistas

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Terreno fértil para o rabisco, sobretudo pela míngua de interesse e mais-valia que tão enternecedoramente as caracterizava, as conferências de turismo & matérias afins foram o pano de fundo (em tons de um vermelhozinho ruçado) do parzinho que se segue. . . P.S.: quadro de néon e luzinhas de bôite a piscar para o meu francês à László Bölöni.

Bloco de notas: T.E.M.

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Aquele que foi unanimemente considerado pelas mais destacadas figuras do turismo nacional e ultramarino como o melhor projecto que alguma vez viu a luz do sol e as trevas da lua, o T.E.M., Turismo em Espaço Militar, foi fruto de um exaustivo trabalho intelecto-intestinal daqueles que orgulhosa e inconscientemente dão corpo e alma ao grupo conhecido como "As Mais Destacadas Figuras do Turismo Nacional e Ultramarino". Sem economias de esforço, sem recurso a atalhos, dando o peito às balas com um arreganhado sentimento de missão, sem esmorecer em momento algum do longo e doloroso parto, geraram o prodigioso rebento através duma labuta que tinha início aos primeiros raios de sol e só findava por força do inevitável esgotamento físico que a ditosa tarefa impunha. . Tal como o primeiro desenho , esta pérola foi rabiscada no Alentejano . Vai para o Amêndoa e para o Kubano. .

Bloco de notas: Portalegre a capital

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Depois da primeira , a segunda. Aceitam-se apostas para as três figuras em destaque.

Bloco de notas: Toste no Alentejano

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Guardo alguns dos meus blocos de notas numa caixa de sapatos por cima do armário da roupa. Ontem, enfartalhado de ócio até às orelhas, penetrei naquelas paredes de cartão para por lá descansar a vista. Não sem assinalável porção de pó à mistura (assim que digitalizar isto tudo vou sem falta passar um pano do pó naquele armário, está prometido), vi-me como que embriagado num outro mundo dum outro tempo de que não só parcialmente me olvidara, como em grande medida deixara de me pertencer. Enfim, até pela ligeireza visual, partilho convosco um par ou dois de desenhos, à laia (sobretudo) de álbum de fotografias. A primeira vai para o Dário. Bem-haja.

Mentira e contradição, constantes da vida e da arte 2

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Mentiras, sim. Que nome dar então às representações ilusórias da realidade, sempre imperfeitas, sempre incompletas, sempre fruto duma escolha? E não se tratará a arte de um mostruário de mentiras, de falsas realidades? Não se trata, evidentemente, de qualquer juízo mais ou menos moral. Ademais, parece certo que, uma vez publicadas, essas mentiras constituir-se-ão como complemento do contínuo temporal da realidade que outros recriarão, mentindo (insistindo no polémico vocábulo). Uma realidade feita de mentiras; mentiras descendentes da realidade. Alternativamente, rapidamente - diria até instintivamente - poderíamos cair no facilitismo de defender que, posto isto (e o mais que saibamos), não existe tal coisa como realidade , mas, isso sim, realidades , proposição assim formulada num plural macio e uniformizador; generalização que a tudo presume responder sem que responda a coisa nenhuma; beco morno, porto seguro onde tantas avenidas, tantas rotas do conhecimento morrem. Esta será justam

Telegrama 034

034 Blindado por um burocratês que só adensa a névoa que o envolve desde a nascença e ratificado com a mais repugnante das prepotências, eis que o Tratado de Lisboa promete relançar definitivamente Portugal (mais não seja pelo papel de anfitrião) " na grande família das nações modernas " , como ironizava Charles Reeve em 92.

Insónia

Foi quê, quarta passada?, bom, não sei dizer ao certo, mas penso que sim, que foi na madrugada de quarta para quinta, um calor dos diabos, aquele sótão é um forno no verão, uma autêntica estufa, nós dois é quanto basta para pôr aquelas paredes e as minhas costas a transpirar, risquinhos a escorrer pelo estuque branco, um suor espesso a depositar-se no fundo das minhas costas, sobre o rabo desbronzeado, sobre o rabo que tem um sinal negro que tu conheces e, o que é mais curioso, gostas, escorrências espessas que parecem brotar das sancas, que descem pela curva pronunciada da coluna até aos rodapés de mosaico, que caem do topo da nuca até ao cotão acumulado junto à ficha-tripla onde ligo o candeeiro da secretária (se é que se pode chamar àquilo secretária) e o rádio de cê-dês azul e prateado que já se fartou de viajar comigo, correu já o país inteiro, de lés-a-lés, eu sei lá, aquilo já deixou de ser uma mera radiola, aquilo é já um companheiro de viagem, como tu, tu que sonhas os teus so

Mentira e contradição, constantes da arte e da vida 1

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Escrevia André Bazin , nos idos de janeiro de 48, a propósito do cinema (neo-) realista italiano: "o realismo em arte só poderia evidentemente provir de artifícios". Sumarenta quanto baste para inúmeras teses e considerações, eis a suma-contradição (diria grã-riqueza) de qualquer expressão artística realista, eterna e invariavelmente definida, como dizia Bazin, pela "escolha entre o que vale ser salvo, perdido e recusado". Essa escolha, por sua vez, é simultaneamente "inaceitável" ("porque feita à custa da realidade (...) que se propõe reconstituir integralmente") e "necessária" ("porquanto a arte só existe por esta escolha" e porque "sem ela [e sem quaisquer limitações técnicas] voltaríamos pura e simplesmente à realidade"). Enquanto mensagem, seria inútil (além de impossível) reconstituir integralmente a realidade. De resto, a realidade caracteriza-se também pela sua continuidade temporal, por oposição à visão fra