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A mostrar mensagens de abril, 2011

Normalidade (notas sobre)

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Despediu-se o primeiro-ministro e ninguém se ralou grandemente. Tudo o que vai acontecendo é normal e a normalidade não é coisa que deva preocupar uma pessoa. Os acontecimentos normais também não dão azo a pasmos. Despediu-se o primeiro-ministro e não houve quem se surpreendesse genuinamente. Normal é tudo o que acontece de facto. Não há assunto ou sucesso que, tendo acontecido, não deva desse momento em diante ser visto senão como normal. Se aconteceu, é normal - e eis tudo. Conheci um homem que dizia um monte de vezes que normal é cada um usar o cabelo com que nasceu. Esse homem repetia isto com frequência e a propósito de toda a sorte de situações. Era a sua máxima. Era normal ele dizer que normal é cada um usar o cabelo com que nasceu e, como tal, nenhuma das pessoas dos seus relacionamentos se ralava, espantava, ou sequer ligava quando ele o repetia. É quando uma pessoa cessa de se ralar ou espantar com as coisas que acontecem que essas mesmas coisas que acontecem se tornam comple

O meu amigo diz-me que...

2 O meu amigo diz-me que um trabalhador feliz produz mais. E que importa isso? Um trabalhador infeliz consome mais, e eis o que importa. Uma pessoa infeliz tem mais necessidades, e de todas as ordens, e, por força de se ver cercada de infelizes incapazes de lhe suprirem emocional e praticamente as carências, vinga-se na mercadoria, na tralha, no hi-tech - onde aliás se revê, com que, em larga medida, se identifica. Neste ponto, o infeliz não encontra felicidade senão na mercadoria. O contacto interpessoal só lhe é aprazível numa dialética de consumidor-vendedor. O aumento da produção não é, como nos querem fazer crer, questão premente para as economias das nações amodernadas. O consumo, esse sim, o consumo é fulcral, é crítico. Ora bem, temos que, economicamente falando, urge promover um desenvolvimento sustentado da Infelicidade. É manter a rota, portanto. "Tudo a sudoeste!", como rugia aquele bem-aventurado capitão que não hesitou em deixar para trás um marinheiro caído ao

Hoje ouvi a tua voz

Hoje ouvi a tua voz. Foi quando fui às furnas olhar o oceano. Soube logo que eras tu. . O oceano era, como o céu, uma massa parda e opaca. O céu estava muito baixo e carregado. As vagas buliam violentamente nas rochas numa dança ensurdecedora. Sabes como é, mal dá para conversar com alguém. E chovia a bom chover. O vento soprava de sudoeste e trazia a chuva tocada. Um temporal, enfim. Por cá tem estado assim, já de há umas duas semanas para cá. E então ouvi a tua voz. Soube logo que eras tu. Ouvi-te perfeitamente, limpidamente, apesar da tormenta. Quanto te ouvi, porém, não te procurei com o olhar. Ouvi-te, mas não mirei em redor a ver se te via. Ouvi-te e não me mexi. Permaneci imóvel, a dar a cara ao mar negro e revolto. Se alguém ali estivesse por perto e me observasse nesse momento não seria capaz de dizer que eu tinha ouvido a tua voz, porque não se aperceberia da leve contracção do meu maxilar, porque não daria importância à ruga que então me sulcou a testa. E porque, de todo o m

Patriotismo

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Os últimos meses trouxeram muitas Palavras & Frases novas para que as pessoas tenham o que dizer quando falam-umas-com-as-outras. Trata-se assim de se dar às pessoas uma opinião. Não é portanto de estranhar que mais tarde se criem toda a sorte de oportunidades para que as pessoas, votando, a devolvam à procedência. Tanto quanto é possível observar, esta organização deixa toda a gente bastante satisfeita. No caso vertente, as pessoas viram-se aviadas de Palavras como «rating» ou «P.E.C.» [péque]; e frases como «entrada do F.M.I. [éfe-émi] no país». Foi-lhes dito igualmente como e quando as utilizar. Regra geral, as pessoas mostram-se muito ordeiras e respeitadoras e repetem tudo muito direitinho. A isto se dá o nome de "patriotismo".