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A mostrar mensagens de janeiro, 2013
José tem dois euros e qualquer coisa no bolso. Traz da véspera um plano. De manhã, bem cedo, passo na praça a comprar fruta. Acordara orgulhoso da sua resolução. A ver se começo a comer mais frutinha, diz para consigo num alento matinal vigoroso, à medida que percorre as ruas de luz e calor da sua imaginação até ao seu café predilecto. Sentado, já com a bica a fumegar à sua frente, mira distraidamente a montra dos bolos. Vacila. De súbito, José fica suspenso numa imagem, numa memória: o apelo torturante de todas as montras de bolos de todas as pastelarias que cruzara desde que saíra de casa e que agora o seu subconsciente, sem misericórdia, derrama sobre os seus sentidos de forma irresistivelmente palpável. José hesita um momento mais. Não, não posso, senão tenho de ir levantar dinheiro para a fruta e esses 10€ voam-me que é um instante e como isto está não pode ser. As ruas da sua imaginação são violentamente tomadas por uma bruma espessa e gélida. A bica deixa-lhe um travo amargo no
Rejeito a guerra. É empresa necessariamente temporária e não faz sentido construir algo senão para que dure para sempre. Falam-me de um homem que morreu no dia 23 de setembro de 1938, às quatro horas da madrugada, vésperas da Segunda Guerra Mundial. Morreu após um longo coma, os últimos anos a talhar chagas sangrentas nas nádegas à força do atrito com a maca, seu exosqueleto, sua segunda coluna vertebral (a válida), onde jazia imóvel e inútil desde 1917, mercê de um obus demasiado pesado e demasiado inevitável. “Com ideias como as tuas, para que lutaste?”, perguntaram-lhe, certa vez. E ele respondeu: “Para que seja a última guerra.” E foi. O preço a pagar aceitou-o no dia em que ouviu, através da janela, os gritos dos que sobreviveram. “Viva a Paz!” Para sempre. Negou a guerra. Negou-lhe a substância. Construiu, sobre ela, algo eterno. Morreu a tempo de morrer em paz consigo.