Desencontro, ou Enquanto as ervilhas cozem
Estava decidido a escrever um texto com o título «Enquanto as ervilhas cozem». Tinha acabado de preparar o tupperware com o pequeno-almoço de amanhã, antes aquecera já o jantar do F., pusera na máquina-da-loiça as caixas da comida de hoje, dera volta à areia do gato, despejara no lixo um resto de bacalhau com broa precocemente azedado. (Ainda bem que não tinha feito – não fizera – mais nada antes, já não suportava mais um pretérito mais-que-perfeito.) Sentia-me capaz de uma dessas filosofias quotidianas que, sob a concretude dos gestos banais, descobre um substrato profundo e inspirador e belo. Enquanto as ervilhas cozem… Começaria assim, para situar o texto num plano paralelo ao das coisas comuns e daí elevá-lo, a princípio com candura, depois com rasgo, aos éteres da Poesia e da Arte. Começaria assim – Enquanto as ervilhas cozem – para sugerir uma imagem, um som de fundo, para que das palavras se desprendesse um travo de dia-a-dia que o Leitor logo identificasse, com que logo se