Inverno pandémico
- Oh, olá, nem te reconhecia! - Pois é, com isto das máscaras nem nos conhecemos. - Viste os números de hoje? Uns três mil setecentos e tal, não é brincadeira nenhuma. - Está a piorar imenso, sim. Mas as pessoas abusam, essa é que é a verdade... - Pois, pois é... - ...é discotecas, é jantares... - ...agem tipo «não se passa nada»... - ...não viste ontem no telejornal? - ...e não tarda está tudo fechado outra vez. - É ajuntamentos em tudo quanto é sítio. - Ai, enfim, a ver vamos que Natal temos. - Sim, a ver vamos. Estamos nas vésperas de um retrocesso àqueles dias de chumbo do pico da histeria pandémica. É um sentimento que ganha espessura, que se insinua e que, como uma gosma, se cola à pele. É, como o são as coisas gosmentas, nojento. Os signais aí estão para quem os queira valorizar: num encore mórbido, espécie de improviso ensaiado (porque aparentemente espontâneo, porque inequivocamente pré-programado), a co-presença voltou a ser, puramente, sinónimo de per...