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A mostrar mensagens de fevereiro, 2009

Telegrama 030

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030 Concordo plenamente com a apreensão dos 5 exemplares do livro que tinha na capa a pintura de Courbet numa feira em Braga . Com franqueza, em pleno século XXI não se pode admitir a exibição de vaginas tão peludas! .

Enquanto bebia o café

Três negros gargalhavam e crioulavam praceta afora, agentes de uma contagiante alegria, pulando dois, empurrando um carrinho de mão o terceiro, direitos à infindável Avenida de Brasília, muito minha conhecida dos idos da distribuição de listas telefónicas. O tosco veículo, ataviado de crostas secas de cimento, a roda empenada chiando ruidosamente, o bordo ferrugento carcomido, transportava um ilustre passageiro: um estupendo LCD.

No S. José

O som áspero do altifalante pontuava o ambiente de achaque do corredor onde, alinhados atravancadamente rente aos parapeitos sebáceos das sebáceas janelas em cadeirazinhas de plástico (dum cinzento sebáceo), os utentes – já devidamente moderados pela taxa – aguardavam pelas devidas chamadas. A conta-gotas, as colunas lá iam zunindo para convocar uns e outros dos aguardadores, os quais, com um trejeito e um gemido, lá se arrastavam com destino aos consultórios respectivos. Até que se ouviu, “Dona Maria da Expectação Monteiro, gabinete trinta e dois, Urologia”. Feita a comunicação, não se ouviu, contudo, o costumeiro sinal sonoro de fim de ligação. Permaneceu no ar o som do fru-fru da bata cerca do microfone, o estalar da caneta e do estetoscópio no tampo da secretária, a respiração compassada da senhora doutora. Uns tempos assim ficou, sem nova a assinalar, quando, de súbito, regressou a voz da médica, agastada, “Irra, que fedor que ficou aqui, será que esta gente não se lava”, e suspir

Crise, pá

Depois do reclame do hipermercado ao repique das 20:00.00, surge catrapum catrapum catrapum «A CRISE»! (um fundo de gritos, aah) As bolsas fechando em baixa, a lisbonense e as congéneres, na Óropa e nu Japão. Acodem os governos. Explanam-se planos, canalizam-se dinheiros, franzem-se sobrolhos, declaram-se preocupações à margem dalguma conferência. Logo trotam os repórteres avenida abaixo, em trinta minutos interpelam quinze transeuntes, retornam então às redacções, sete minutos para montar a peça com depoimentos de quatro dos populares, e: “vamos auscultar a rua”, ou “fomos para o terreno ouvir a população”. Lufa-lufa, psi vinte, comentador de Economia, “discutiu a comissão parlamentar a actual conjuntura”, comentador de Política Nacional, “em estúdio temos também o Secretário de Estado da tutela”, “antes de mais, boa noite”, num repente espreita-se o brent, num pulo olha-se o barómetro, tempo de ouvir o enviado especial em Washington, agora o de Berlim, e “diz a confederação que a con

Telegrama 029

029 Digamos que o Estado de Direito é mais direito para uns do que para outros.

Telegrama 028

028 Importará não esquecer que os principais agentes de um regime democrático - como o português - não são, histórica e organizacionalmente, democráticos. Igrejas, exércitos, multinacionais e partidos políticos , por exemplo.

No metro

Havíamos deixado a Cidade Universitária para trás. O relógio batia as suas 14 horas, mais coisa menos coisa. Talvez por isso, ia aquela carruagem vazia de gente, praticamente. A composição seguia chiando, azucrinadora, emparedada por uma escuridão em movimento. Subitamente, o homem que ia à minha mão esquerda murmurou – Olá, tudo bem. Olhei, meio sobressaltado, assim arrancado ao torpor de metro em que ia. Com a cabeça molemente apoiada na palma da mão direita, o indivíduo fixava um ponto algures entre o encosto descolorado do meu banco e a janela gordurosa que o reflectia do lado oposto. Cada olho daquele homem seguia o seu rumo próprio, espécie de camaleão desconexo. O estrábico balbuciou ainda, vagamente – Sim. Eu numa confusão crescente – Este gajo está mesmo a falar comigo. E o homem, impávido, de rosto voltado para mim. Um breve momento ali estive, mudo e quedo, hesitando sobre o que fazer. Quando estava a ponto de reagir, já esboçando um gesto (acho que ia devolver o cumprimento

Visitas

Assim que cá chega, o meu primo conecta a sua playstation na televisão do quarto da minha mãe. Grande parte do resto do dia, passa-o lá, no quarto, de comando na mão, olhos no ecrã. A sua “visita à casa da madrinha” esvazia-se assim de sentido: a menos que o seu sentido seja jogar playstation numa televisão diferente, aliás certamente pior. A sua visita transforma-se e reduz-se assim à continuação da sua principal ocupação quotidiana. O porquê de semelhante visita, no seu sentido mais tradicional, na sua dimensão mais romântica, quero dizer, quanto à reunião familiar, torna-se residual. Mas não é tudo. Praticamente assim que cá chega, o meu tio liga o televisor da sala. A tarde, grosso modo, passa-a lá, no sofá, num estado de semi-adormecimento, fazendo zapping a espaços, única acção visível até ao jantar. A sua “visita à casa da irmã” não é, portanto, muito diferente na forma e conteúdo da do meu primo. A relação entre um comportamento e outro parece óbvia. Com reduzida margem de erro

Fragmentos VI

(...) Importa escrever, sem dúvida. Registar, imprimir, gravar, chama-lhe o que bem queiras. Nunca será obra acabada, nunca será imaculado, nunca será satisfatório - muito menos para ti próprio. Mas representa o momento em que o teu pensamento deixa de ser aquela nuvem difusa e, até para ti, semi-desconhecida - porque permanentemente mutável, imaterial - e se concretiza, ganha corpo e assume uma forma, uma primeira forma, que constitui uma base de observação, análise e avaliação, onde poderás voltar as vezes que forem precisas, que podes reler, riscar, reescrever - e, assim queira o deus que dizes ser teu, melhorar. Será sempre uma barreira só parcialmente ultrapassada, um percurso só aparentemente vencido. Aliás, as palavras dar-te-ão repetidamente a ilusão de que as dominaste - até à segunda leitura, quando te atiram em cara que o teu pensamento nunca será devidamente expressado: por incapacidade tua, por defeito do molde que usas, por tanta coisa, enfim. E, assim sendo, o teu pensam

Emprego & C.ª Lda. (1)

Além do verdadeiro terror do desemprego, particularmente opressivo nos casos em que já foram contraídas dívidas, em que já foi hipotecada a vida toda (ou, no mínimo, os próximos 40 anos), ou em que já floresceu a semente do amor & sexo (ou vice-versa) na forma de um rebento a anos-luz da autonomia física e, sobretudo, financeira – importa analisar uma outra face desta moeda de muitas caras que é o, genericamente falando, Mercado de Trabalho: o emprego propriamente dito . O Emprego , porque nem só de falta de emprego se faz e se alimenta esta espessa bruma que nos entristece diariamente, que nos abate e nos moe, que nos distrai, desconcentra e baralha (além do muito distraídos, desconcentrados e baralhados que somos já por defeito, uns mais que outros, é verdade, mas uma coisa não invalida necessariamente a outra). E este emprego que nos calhou em sorte, fruto de anos e ânus de códigos do trabalho discutidos por gente que não trabalha, de políticas de emprego ditadas por pressões e

Palavra (s)

Palavras são só palavras, importam quase ou mesmo nada, importa, isso sim, aquilo que se faz com elas ou aquilo que se quer fazer delas, se isto é vero ou não, talvez não venha nunca a saber e ficarei porventura no mesmo pé quanto ao que segue, a saber, as palavras são, até prova em contrário, por definição e índole, por uso, costume e forma, veículos de transmissão de mensagem/ns, sem embargo, isso não será nunca o bastante para que não se constituam noutras alturas como, isso sim, o sumo obstáculo à comunicação interpessoal, ou por outra digo que, ocasionalmente, assumindo-se a jusante justamente como o elo tradutor, o eixo comunicante, a esmerada expressão do íntimo daquele ou daquela que a elas recorre, aquando chegadas ao termo da viagem, isto é, aos tímpanos do ouvinte e interlocutor, as palavras perdem-se, por assim dizer, na tradução, e, de coisa boa que à nascença eram, passam a ser, pelo contrário, a malformação estrangeira, a deformada concretização alheia de um sentimento e

Andarão as empresas a aproveitar-se?

O contexto criado pela «crise» (ou O contexto criado de «crise») serve que nem uma luva os interesses dalgum patronato mais esfaimado (porventura o mais "competitivo" e "bem-sucedido"). Com efeito, nos dias que correm, em que a «crise» atinge até as maiores empresas das maiores economias mundiais, em que empresas sediadas em Portugal fecham portas a um ritmo diário ou dispensam grande parte do seu pessoal, e em que, numa dinâmica televisivo-social complexa (mas não inédita), não há espaço nem tempo (e vontade?) para analisar os comos e porquês caso-a-caso, torna-se legítima e lógica a dúvida: andarão as empresas (dimensões, ramos e geografias à parte) a aproveitar-se deste contexto? Num canto de página, até já vi noticiado (falha-me a memória, falta-me o link ou referência: treme-se-me o argumento que nem varas verdes), a propósito de um desses mediáticos despedimentos em massa, que a empresa, quase acto contínuo às referidas rescisões, reabriu vagas para grand