No metro

Havíamos deixado a Cidade Universitária para trás. O relógio batia as suas 14 horas, mais coisa menos coisa. Talvez por isso, ia aquela carruagem vazia de gente, praticamente. A composição seguia chiando, azucrinadora, emparedada por uma escuridão em movimento. Subitamente, o homem que ia à minha mão esquerda murmurou – Olá, tudo bem. Olhei, meio sobressaltado, assim arrancado ao torpor de metro em que ia. Com a cabeça molemente apoiada na palma da mão direita, o indivíduo fixava um ponto algures entre o encosto descolorado do meu banco e a janela gordurosa que o reflectia do lado oposto. Cada olho daquele homem seguia o seu rumo próprio, espécie de camaleão desconexo. O estrábico balbuciou ainda, vagamente – Sim. Eu numa confusão crescente – Este gajo está mesmo a falar comigo. E o homem, impávido, de rosto voltado para mim. Um breve momento ali estive, mudo e quedo, hesitando sobre o que fazer. Quando estava a ponto de reagir, já esboçando um gesto (acho que ia devolver o cumprimento), o fulano rodou repentinamente o pescoço na direcção do mapa de estações por cima da porta, e então vi, magistralmente encastrado na sua orelha direita, um auricular. Acto contínuo, diz o sujeito – Faltam-me duas estações. – Ah, pensei.

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