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A mostrar mensagens de 2009

Eu, livre...!

Mas se não queres não vás, disse-te eu a propósito de qualquer coisa sem importância. Como se eu fosse livre.

Telegrama 040

040 Sou pela violência, afinal: depois de regozijar com a caricata intentona sapateira contra o Bush, eis que deliro com o jab de direita em cheio no focinho do filho-da-puta do Berlusconi! (aqui)

A propósito de Copenhaga

1 Nunca os governos nos deram provas de boa-fé. Nunca as lideranças se mostraram bem-intencionadas. Nunca as decisões políticas e económicas se revelaram desinteressadas. Estarão agora verdadeiramente preocupados com os impactos ambientais e sociais devidos ao «aquecimento global»? De resto, o cenário de risco propriamente dito - que tem servido de ponto de partida e de escala a toda a acção diplomática, bem como de sustentação à generosa canalização de verbas - tem um ímpeto sobretudo propagandístico, impressionista, televisivo; e não tanto uma base científica, desapaixonada e objectiva. 2 Muitos foram os meios através dos quais os países mais industrializados perpetuaram a sua posição dominante; um dos mais determinantes terá sido justamente o recurso exaustivo a indústrias ultra-poluentes. Isto leva-nos a um ponto (que corro o risco de simplificar em demasia): quem nos legou tão devassado ar? Não terá sido Madagáscar; sequer Portugal. Quem foi então? 3 Em boa medida, os Estados

Do «não» irlandês (ainda, e com atraso)

(Acontece que publico isto com, bem à vontade, ano e meio de atraso. Esqueci-me, pá!) . Isto da democracia é do caraças. Não basta fazer de conta que, numa mágica assunção, escadote do sufrágio dito universal acima, o poder constitucionalmente popular se transfira - vuush - para os seus fiéis representantes eleitos. É preciso que a grei vote bem . Doutro modo, a democracia "fica em perigo". Ouço a Antena Aberta, janela de participação popular numa rádio nacional. Fala neste momento uma "especialista em política internacional", a qual, conforme disse a locutora do programa, "vai ajudar os ouvintes a formarem a sua opinião". Diz a senhora especialista que isto do «não» irlandês também retrata "a falta de informação da generalidade dos europeus, no caso, os irlandeses". E achega que "esta atitude de constante impasse num contexto de crise mundial é muito prejudicial para a governabilidade da Europa". Lá está o que eu dizia: não só os euro

30, 35 minutos

E alguém ao telefone me diz - 30, 35 minutos e estamos aí, OK, senhor André Campos? Aquiesço com um abanar de cabeça (do outro lado da linha hão-de ter pensado que, enfim, quem cala consente) enquanto penso - 30, 35 minutos de vida a valer, ou de felicidade-quasi, que o resto do dia será de infinita tristeza, ou de puta incerteza. Isto havia de ser tudo assim. Olhe, tem 30, 35 minutinhos até não se sabe o quê, trate portanto de os gozar, OK, senhor André Campos? Destarte, bastante facilitados ficariam aos nossos olhos os processos burocráticos e administrativos do estar vivendo a que maximamente somos autorizados pelos deuses que, ó concretíssimo Ricardo Reis, são feitos à nossa imagem. Talvez por isso se revelem tamanhos cretinos. Mas nisto já perdi uns cinco preciosos minutos. Revisito num ápice a tabuada do ratinho da infância (que passou e não ficou, que nada ou nada-quase deixou e que, benditos sejam os deuses, nunca regressará) e calculo que me restam na melhor das hipóteses seis

o homem que comeu o estômago

cansado da fome, o homem decidiu-se a comer o próprio estômago. se comer o estômago, explica, não só mato a fome que ora sinto como a que infinitamente tornaria. uma voz feminina (de avental) aproxima-se; e, com o desembaraço do dizer de cor, atira: dê-mo cá que lho frito, o senhor gosta de iscas, não gosta?, pois deixe que lhe apronto um petisco, ó, daqui. entre o homem e a feminina voz jaz uma frigideira onde um pé de louro e três dentes de alho assam num inferno de óleo e margarina. sobre a frigideira, a voz feminina esmera-se, insinua-se; e acrescenta, estranhamente sedutora: diz que os olhos também comem. perfeito, pensa o homem, matarei igualmente para todo o sempre o apetite da vista. e alto: isso bem passado, não tenha pressa.

Telegrama 039

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039 Nem só de pias casas, relatórios militares sexed up e mensalões se faz o nosso arredondado mundo globalizado: esse da democracia e do estado de direito. Também há a prisão do Polanski: .

Apontamento

É muito difícil sustentar o fim do trabalho assalariado. . Isto é um labirinto visto de dentro. Nada existe além destas paredes, para lá destas paredes espelhadas. Ao fundo de uma curva, nova curva; nova curva, novo espelho. E eu e tu reflectidos neste labirinto de espelhos. O já de si curto horizonte é assim encurtado: no horizonte nada há - à mostra - além do nós-reflectido, do nós-virtual, do nós que olhamos daqui e do nós que nos olhamos acolá. Vemo-nos de fora. Somos um espectáculo a que assistimos - mas de que não nos sentimos autores. . Não digo que a saturação, frustração, etc., não sejam sentimentos comuns, partilhados, enfim, correntes entre as classes abaixadas. Mas daí a ser possível defender o fim do trabalho, daí a que consigas, primeiro, sustentar o Fim propriamente dito, e, segundo, o que para lá Dele viria, que alternativa, que organização social, que meio de sustento - bom, vai uma distância dos diabos. . Quando acordei já estas paredes me cercavam, já estes espelhos

Oferta n.º: 587667374

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Hey, você aí! Está à procura de emprego? Mesmo? Tenho exactamente aquilo que procura! Vai adorar, estou certo! Dê uma olhadela...! . Concorra já! Aqui!

Das pessoas

Dislates mais ou menos jactantes a propósito duma pretensa genética pátria, em que se repisam e se requentam acriticamente chavões relativos a mais das vezes a situações particulares, assim ilegítima e inutilmemente nacionalizadas - é coisa que me aborrece solenemente. Mas piora quando se fala "das pessoas". "As pessoas" - portuguesas, entenda-se - "não participam" ou "as pessoas não reclamam" ou "as pessoas não pensam"; e por aí adiante. A equação exclui explícitamente o eu, iliba-o e, em certa medida, diviniza-o: como se pairasse, sábio contemplador, sobre o vulgo, pequena gente pequena que "às vezes, até me envergonham de ser portuguesa" (na última ocasião em que assisti a este discurso-tipo tomava a palavra uma mulher, aliás professora de Língua Portuguesa do 3.º ciclo, se é que este dado acrescenta inteligência à conversa). Tudo isto me aborrece muito, de molde que vou alternando o mais indiferente dos bocejos com o espin

De que falamos quando falamos de leitura?

A pergunta foi-nos colocada num interessante seminário da responsabilidade de um não menos interessante José Fanha (a ideia é simples: falar de leitura entre as 19h e as 21h das quartas-feiras de Novembro). Na hora, ocorreu-me imediatemente responder que falamos de nós próprios, do que pensamos e sentimos. No fim de contas, a leitura é - ultrapassadas as duas ou três respostas básicas iniciais - assunto de monta, coisa grande e profunda. Uma resposta reflectida a esta questão torna-se muito rapidamente num discurso do eu, num enunciar de gostos íntimos, de hábitos mais ou menos secretos, de convulsões que têm lugar debaixo da pele. Mas responder que ao falarmos de leitura estaremos falando, isso sim, de nós mesmos é afirmação cujo sumo muito rapidamente se consome. Com efeito, que outra coisa fazemos quando falamos? Esse é, aliás, um dos nossos maiores poderes. Assim o queiramos, e, através de uma selecção bem calculada de palavras e silêncios, apenas daremos aos outros - como base de

Bloco de notas: Garcia´s tribute

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Oculta face

Faces ocultas movem-se nas sombras. Aos sentidos cingidos pelo arame farpado da telecomunicação e do trabalho, tais movimentos de bastidores afiguram-se cada vez mais como coisa nenhuma. A repetição provoca memorização, diz-se. No caso, a repetição provoca cansaço, um cansaço que se assemelha justamente ao avesso da memória. Outras faces ocultas há muito caíram no olvido de todo um país, ou no mínimo tomaram feições vagas e imprecisas. Confundem-se nomes, caras e ligações numa memória colectiva adulterada que simultaneamente enfraquece no seu núcleo a contestação e imuniza onde convém esses criminosos. Nada neste fim é distinto daquele princípio. A trama é circular. Talvez por isso nos entonteça. Talvez assim nos cerque.

Telegrama 038

038 Quando leio no Editorial do Público de ontem que "as Torres Gémeas de Nova Iorque substituíram na mente das gerações mais jovens as imagens felizes de Berlim [no dia 9 de Novembro de 1989]", pergunto-me: qual será a mentira histórica que jaz soterrada sob os escombros do Muro?

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sou eu o álibi do meu suicídio não fiz juramento digo a verdade que quiser sou o assassino da pessoa que digo ser minha investigo o crime colho pistas apago pistas despisto-me se me persigo persigo-me pelas ruas por ruas que não conheço e perco-me sem nunca sair do sítio numa ânsia num desassossego numa saudade daquele eu que morreu às minhas mãos porque sabia demais viu-me a cara tive que o limpar

Telegrama 037

037 Quando penso em trabalho, penso na hora em que saio. Outros pensarão porventura na hora em que entram.

Telegrama 036

036 A construção da Sociedade do Conhecimento e da Informação deve basear-se no conhecimento e na informação.

Aqui

E o que faz Sou contabilista Não me fiz entender, perguntei-lhe o que faz, não o que é Julgo que foi isso que lhe respondi Pareceu-me ouvir sou contabilista E pareceu-lhe bem, foi isso mesmo que eu disse Então está a ver, disse-me o que é, não o que faz Compreendo Por favor não me leve a mal a insistência Concerteza que não, acho aliás interessante esse seu rigor nas palavras Bem sei que a língua não se compadece destes rigores, são apenas manias Mais facilmente lhes chamaria agasalhos do que manias Agasalhos Sim, para os rigores deste inverno da língua Estou a ver que também aprecia os jogos de palavras Vejo-me é muitas vezes sem parceiro É curioso como a graça duma língua está muitas vezes nas suas ambiguidades Aprecio muito essa palavra, graça Escolhi-a cuidadosamente Mas concordo consigo, se bem percebi o que quis dizer Fui talvez ambíguo Não tivesse sido desde início e não chegaríamos aqui Aqui Sim. Aqui . Diz-me então que é contabilista Não posso dizer que seja O que me pode dize

Para o Zé de Kuba

A bonança da desventura faz lembrar que os dias passados ao passado devem a sua glória, a chuva nostálgica que os incensa é o pilar canhoto em que se sustenta a nossa carência, nosso abrigo . . daqui

De Sem Prego

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"A economia fez o homem à imagem da mercadoria, atribuindo-lhe um valor de uso e um valor de troca. Um sustenta-o a ele e aos seus semelhantes, o outro fixa-lhe um preço, não em conformidade com aquilo que produza mas com a quantidade de bens de que se aproprie." Raoul Vaneigem, A Economia Parasitária , 1999. . . A potente castração da criatividade vital administrada pelo trabalho assalariado abate-se sobre nós de forma especialmente cruel nos períodos de desemprego. Negativo do trabalho, o desemprego isola-nos e inutiliza-nos, na justa medida daquilo que esta mesma sociedade do trabalho define como isolamento e inutilidade. Com efeito, finda a escolaridade, qualquer período em que nos encontremos desvinculados de um compromisso profissional traz no nome o indisfarçável cunho da ordem vigente. Senão vejamos, do ponto de vista social, demográfico e político, o que é um não-estudante que não trabalha? Um desempregado . A locução não podia ser mais expressiva. Mas procuremos sin

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A chuva em pingos lambe escorre das fachadas Sigo mudo obedeço cego maldito quotidiano Pessoas folhas caídas pisadas Arrastadas para as valas comuns do metropolitano

Telegrama 035

035 Ao que me é dado ver, em cinquenta anos apenas a mulher passou de «proibida de trabalhar» a «obrigada a trabalhar». Mais, aquele que era então o ordenado do pai de família médio equivaleria aos actuais ordenados acumulados de ambos pai e mãe de família médios. Mais ainda, os avós úteis de há meio século tornaram-se hoje nos velhos que só estorvam.

Bloco de notas: Domingos Bucho.

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Esta é à laia de documento histórico, com data, anotações, título da conferência; enfim, uma relíquia. .

Bloco de notas: valha-me nossa senhora.

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Rabisquei isto no República. Recordo-me que estava lá aquele gajo magro que depois foi lá morar na Matilde, como é que o gajo se chamava? Na altura todos concordámos que isto era meio gratuito. .

Carta ao senhor Palma

. Bom dia, bom dia, bom. . Espero em primeiro lugar que se não aborreça com a minha falta de etiqueta redactorial e ortográfica, a qual, senhor Palma, pelo pouco que até aqui houve para ver, já todos entendemos que fica largamente aquém das balofas vénias e Excelentíssimos e Ilustríssimos e demais íssimos que, bem sei, bem sei, são requisito mínimo nos dias que correm; mas quer-me parecer que nem eu estaria à altura de tamanha fineza, nem o senhor se sentiria mais obsequiado por eu me pôr em biquinhos de pés. Acabo de ouvir um álbum com músicas suas. Muito o tenho escutado ultimamente, aliás. Vai talvez para um ano que dei por mim frente a um escaparate de uma grande superfície a dizer Não conheço Jorge Palma, veja bem o meu amigo as coisas que por preguiça mental e por força do hábito insistimos em proferir, quem na altura me ouvisse diria numa lógica 1,2,3 que agora já o conheço, o que sabemos ser uma completa tolice, mas importará acrescentar que esse hipotético interlocutor seria d

Bloco de notas: o seu telemóvel já alguma vez explodiu enquanto carregava?

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Se a memória não me engana, desenhei isto numa aula de Biologia Humana. No telejornal da noite anterior tinha assistido a uma peça jornalística que falava do fantástico caso de um infeliz homem (normal) a quem o telemóvel rebentara ("elevou-se uns bons dez centímetros do tampo da mesa", exclamava o tipo, perfeitamente incrédulo) durante o carregamento da bateria, o que (como é óbvio...) o tinha deixado em verdadeiro estado de choque. Duma estupidez atroz, o repórter, ciente da tragédia grega que tinha em mãos e da sua ditosa missão de a dar a conhecer ao vulgo, não foi de modas: tratou de apresentar uma recriação do incidente e pôs na peça, em fundo, uma banda sonora digna dum filme de terror. A reportagem, no mínimo risível (até rebolei por cima do sofá), impressionou-me imenso. À distância, vejo-a como uma caricatura bastante apreciável da vida nas nações industrializadas: atulhada de tecnologias, encurralada em fobias e presa a um sensacionalismo televisivo que escapa semp

Mentira e contradição, constantes da vida e da arte 3

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Por só agora o ter lido, só agora o trago à conversa: "No fundo, há que reconhecer que a história não é apenas selectiva, é também discriminatória, só colhe da vida o que lhe interessa como material socialmente tido por histórico e despreza todo o resto, precisamente onde talvez poderia ser encontrada a verdadeira explicação dos factos, das coisas, da puta realidade. Em verdade vos direi, em verdade vos digo que vale mais ser romancista, ficcionista, mentiroso." P.S.: Insisto no risco das citações & transcrições. E de risco se tratando, desconheço se será decisão benigna ou maligna aos meus puros intentos. Talvez que baste a (boa) intenção. No caso, diga-se, apenas para que conste, cita-se A Viagem do Elefante , de 2008, o último (que o não seja também em termos absolutos) romance de José Saramago, a páginas duzentas e vinte e sete. A propósito de referências bibliográficas, será oportuno dizer que as primeiras citações, de André Bazin , foram retiradas da sua obra O que

Serpenteio vale acima

Serpenteio vale acima, envolto num bréu morno. Os faróis desbravam caminho no puré negro da lua nova. Levo o braço debruçado na varanda da janela com a língua de fora da boca a gozar o vento que lhe afaga o focinho. Os pinheiros-mansos cor de cinza despedem um trinado ramalhudo de grilos e sob a chapa parda do capô as válvulas fatigadas matraqueiam com langor o seu fado castiço. Pergunto-me se na minha ausência não terá algum espirituoso juntado às carnagens laterais do carro umas palas de burro, ou se é de fábrica que a besta só enxerga em frente. Serpenteio vale acima, num isolamento lunar. Fixadas nas duas margens da via, populações de placas e sinais amarelos, pretos, vermelhos e brancos miram-me à medida que passo. Numa rigidez de estátua, as suas faces luzídias reflectem o brilho metálico do fio da catana com que o meu carro fustiga o mato denso em que nos embrenhamos vale acima. A um toque áspero de um interruptor de plástico, a catana é embainhada e as placas e sinais somem-se

11am

A julgar pela quantidade de cabelos que povoam o lavatório hoje foste para o trabalho careca, penso eu, enquanto avalio frente ao espelho se poderei ficar mais um dia sem fazer a barba. Mas então percebo que o lavatório é um prato, o que na borda deixaste foram isso sim os pedaços de nervo que não quiseste, e que assim só levaste os cabelos mais bonitos. A estes, restos criteriosamente decepados da cabeleira, já eu os afoguei ralo abaixo. Nem espernearam. Enquanto despejo na boca da sanita o mijo matutino, matuto se não serei como esses cabelos: resto de comida, pêlo dispensável do todo cabeludo, ser inanimado que não estrabucha de cada vez que a enxurrada o empurra para o esgoto.

Bloco de notas: conferências & conferencistas

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Terreno fértil para o rabisco, sobretudo pela míngua de interesse e mais-valia que tão enternecedoramente as caracterizava, as conferências de turismo & matérias afins foram o pano de fundo (em tons de um vermelhozinho ruçado) do parzinho que se segue. . . P.S.: quadro de néon e luzinhas de bôite a piscar para o meu francês à László Bölöni.

Bloco de notas: T.E.M.

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Aquele que foi unanimemente considerado pelas mais destacadas figuras do turismo nacional e ultramarino como o melhor projecto que alguma vez viu a luz do sol e as trevas da lua, o T.E.M., Turismo em Espaço Militar, foi fruto de um exaustivo trabalho intelecto-intestinal daqueles que orgulhosa e inconscientemente dão corpo e alma ao grupo conhecido como "As Mais Destacadas Figuras do Turismo Nacional e Ultramarino". Sem economias de esforço, sem recurso a atalhos, dando o peito às balas com um arreganhado sentimento de missão, sem esmorecer em momento algum do longo e doloroso parto, geraram o prodigioso rebento através duma labuta que tinha início aos primeiros raios de sol e só findava por força do inevitável esgotamento físico que a ditosa tarefa impunha. . Tal como o primeiro desenho , esta pérola foi rabiscada no Alentejano . Vai para o Amêndoa e para o Kubano. .

Bloco de notas: Portalegre a capital

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Depois da primeira , a segunda. Aceitam-se apostas para as três figuras em destaque.

Bloco de notas: Toste no Alentejano

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Guardo alguns dos meus blocos de notas numa caixa de sapatos por cima do armário da roupa. Ontem, enfartalhado de ócio até às orelhas, penetrei naquelas paredes de cartão para por lá descansar a vista. Não sem assinalável porção de pó à mistura (assim que digitalizar isto tudo vou sem falta passar um pano do pó naquele armário, está prometido), vi-me como que embriagado num outro mundo dum outro tempo de que não só parcialmente me olvidara, como em grande medida deixara de me pertencer. Enfim, até pela ligeireza visual, partilho convosco um par ou dois de desenhos, à laia (sobretudo) de álbum de fotografias. A primeira vai para o Dário. Bem-haja.

Mentira e contradição, constantes da vida e da arte 2

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Mentiras, sim. Que nome dar então às representações ilusórias da realidade, sempre imperfeitas, sempre incompletas, sempre fruto duma escolha? E não se tratará a arte de um mostruário de mentiras, de falsas realidades? Não se trata, evidentemente, de qualquer juízo mais ou menos moral. Ademais, parece certo que, uma vez publicadas, essas mentiras constituir-se-ão como complemento do contínuo temporal da realidade que outros recriarão, mentindo (insistindo no polémico vocábulo). Uma realidade feita de mentiras; mentiras descendentes da realidade. Alternativamente, rapidamente - diria até instintivamente - poderíamos cair no facilitismo de defender que, posto isto (e o mais que saibamos), não existe tal coisa como realidade , mas, isso sim, realidades , proposição assim formulada num plural macio e uniformizador; generalização que a tudo presume responder sem que responda a coisa nenhuma; beco morno, porto seguro onde tantas avenidas, tantas rotas do conhecimento morrem. Esta será justam

Telegrama 034

034 Blindado por um burocratês que só adensa a névoa que o envolve desde a nascença e ratificado com a mais repugnante das prepotências, eis que o Tratado de Lisboa promete relançar definitivamente Portugal (mais não seja pelo papel de anfitrião) " na grande família das nações modernas " , como ironizava Charles Reeve em 92.

Insónia

Foi quê, quarta passada?, bom, não sei dizer ao certo, mas penso que sim, que foi na madrugada de quarta para quinta, um calor dos diabos, aquele sótão é um forno no verão, uma autêntica estufa, nós dois é quanto basta para pôr aquelas paredes e as minhas costas a transpirar, risquinhos a escorrer pelo estuque branco, um suor espesso a depositar-se no fundo das minhas costas, sobre o rabo desbronzeado, sobre o rabo que tem um sinal negro que tu conheces e, o que é mais curioso, gostas, escorrências espessas que parecem brotar das sancas, que descem pela curva pronunciada da coluna até aos rodapés de mosaico, que caem do topo da nuca até ao cotão acumulado junto à ficha-tripla onde ligo o candeeiro da secretária (se é que se pode chamar àquilo secretária) e o rádio de cê-dês azul e prateado que já se fartou de viajar comigo, correu já o país inteiro, de lés-a-lés, eu sei lá, aquilo já deixou de ser uma mera radiola, aquilo é já um companheiro de viagem, como tu, tu que sonhas os teus so

Mentira e contradição, constantes da arte e da vida 1

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Escrevia André Bazin , nos idos de janeiro de 48, a propósito do cinema (neo-) realista italiano: "o realismo em arte só poderia evidentemente provir de artifícios". Sumarenta quanto baste para inúmeras teses e considerações, eis a suma-contradição (diria grã-riqueza) de qualquer expressão artística realista, eterna e invariavelmente definida, como dizia Bazin, pela "escolha entre o que vale ser salvo, perdido e recusado". Essa escolha, por sua vez, é simultaneamente "inaceitável" ("porque feita à custa da realidade (...) que se propõe reconstituir integralmente") e "necessária" ("porquanto a arte só existe por esta escolha" e porque "sem ela [e sem quaisquer limitações técnicas] voltaríamos pura e simplesmente à realidade"). Enquanto mensagem, seria inútil (além de impossível) reconstituir integralmente a realidade. De resto, a realidade caracteriza-se também pela sua continuidade temporal, por oposição à visão fra

Legislativas dois mil e nove II

Desengane-se, caro telespectador, nada disto é feito para o maçar. Nada. E neste imenso nada tudo cabe: os programas eleitorais, os debates televisivos, as sondagens de intenções, os tempos de antena da rádio, os folhetos do metropolitano, os cartazes de beira de estrada, as entrevistas dos jornais, os fóruns de opiniões, os blogs dos candidatos, os sites dos partidos. Desengane-se, caro telespectador, de tudo isto (tamanho nada) nada foi concebido para o maçar. Aliás, se reparar bem (repare bem, caro telespectador) nada disto o maça. Antes pelo contrário. Desengane-se, caro telespectador, pois é com este sufocante nada, pois é justamente através deste omnipresente nada que, se atentar bem (atente bem) o senhor telespectador se não maça com coisa nenhuma. Desengane-se (já se desenganou?) não fosse tudo isto, não fossem os programas, os debates, os folhetos, as sondagens, os cartazes, os altifalantes, as entrevistas (pausa) e o período de campanha eleitoral seria (pausa) uma grande maça

Legislativas dois mil e nove I

Pegue-se na gorda maioria de patos bravos, chicos espertos & estafermos em geral que pululam por essas fronteiras adentro e se propagam com a certeza dum vírus, e dê-se-lhes primazia sobre a demais grei, a liderança-mãe do país Portugal e o trespasse dos seus recursos vários. Atribua-se-lhes, com força de lei, com peso de chumbo, a chefia das finanças públicas e da instrução das gerações vindouras. Garanta-se-lhes, com reservas poucas e de molde a que essas poucas valham de coisa nenhuma, a palavra derradeira na tomada de decisões sobre os nãos do trabalho e do ordenamento do território e sobre os sins da arte e do desporto. Consagre-se-lhes, em despacho oficial com selo branco, o Direito à Imbecilidade, à Defesa e Prática do Erro e da Falácia, ao Usufruto do Privilégio Desmesurado e Desmerecido e à Perpetuação dos Mil Desiquilíbrios. . E se problema de número se verificar, que se não interrompa a soberba marcha: dentre o esterco, estipulem-se graduações hierárquicas com a prodigal

Idiot box

Sentado no sofá, olho o televisor apagado, espelho negro, e vejo um sofá vazio. O ecrã mira-me com desprezo. Eu é que estou apagado, não é ele. Ele é que tem o comando, não eu. Eu sou ele, ele diz-me quem sou. . Ele é o gigante na jaula de vidro, como alguém disse, jaula que é diferente das outras, e nem tanto por ser de vidro, mas porque estende as suas correntes para além do seu perímetro, ou de dentro para fora. Enjaula enquanto diz que liberta. . Eu sou apenas mais um satélite no sistema solar que a sala corporiza. Tudo aqui gira em torno da televisão. A sala, lugar de convívio e refeições, deriva na sua órbita. O convívio, as refeições desenrolam-se debaixo da sua influência, por ela condicionados, por ela definidos. Tudo pulsa ao seu ritmo. . Aperto o telecomando. O espelho negro acorda, jorram cores e sons, a sala agita-se, mil sereias seduzem-me, cem poetas me embalam, fundo-me com as almofadas do sofá, gravito algemado às imagens. Subitamente feliz.

Telegrama 033

033 Tento a todo o custo esventrar o ridículo de gripes a & paranóias anexas. Fui contaminado.

Game boy

Terça-feira quente. A Avenida da Liberdade, forrada de prédios a toda a altura, atapetada de carros a toda a largura, abrasa debaixo do sol tórrido de Agosto. A atmosfera densa alia-se ao calor e traz os transeuntes transpirando. O barulho é rei todo-poderoso. A um par de metros de um banco borrado pelos pombos, na berma de uma das transversais da grande via, junto de um espaço livre entre dois carros, um janota de sua vintena de anos aguarda placidamente. Traja com brio, conforme o costume do sítio e da época. Jeans escuras de cintura ultra-descaída a exibir as cuecas e com a longa costura da perna a descrever um uu para a zona interior da canela, onde a calça afunila e cinge o tornozelo, mas sem bainha que se veja, à laia de fole. Ténis de pano e sola rasa, de marca conceituada; como, de resto, tudo quanto traz no corpo: a t-shirt à boys band, o relógio de grossa bracelete de pele, os estupendos óculos-de-sol, tudo a rebrilhar. A chave daquela expectante e curvada figura jaz-lhe entr

Hm, that´s not exactly the typpical polish executive anyway

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"On the surface, the Microsoft decision to Photoshop away the black executive was a rational choice. There are no black – and very few non-Polish – executives in Poland. Looked at another way, it has touched a deeply sensitive, but mostly concealed, nerve in Polish society." @ Belfast Telegraph

Dez ânus depois

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A denúncia da situação vivida actualmente em Timor-Leste feita por Loro Horta no Público (já faz uns meses...) é aterradora: elevadíssimas taxas de desemprego entre a população (de “80% em Díli”), um fenómeno crescente de prostituição infantil (“há homens que se deslocam nos seus carros e esperam perto das escolas”), entre outros, em curso paralelo com “ilhas de riqueza escandalosa, criadas pela recente bonança do petróleo” – sendo que a miséria de uns parece estar na razão directa da abastança doutros. Diz Loro (o itálico é meu): “depois de 24 anos de violações e humilhações às mãos do Exército indonésio, as filhas de Timor vêem agora os seus próprios líderes e autoproclamados libertadores virarem-lhes as costas ”. Não obstante o dispensável eufemismo acerca da acção dos actuais governadores timorenses – que igualmente violam e humilham –, julgo que Horta toca num dos pontos nucleares deste problema; isto é, quanto à continuidade do miserável estado de vida das gentes de Timor-Lorosae

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Não ter o juíz da partida, aos 4´ da primeira parte, apitado penalty a favorecer o Sporting foi uma bênção divina para os atletas do emblema do leão: daquele minuto em diante, o céu desanuviou-se-lhes nas mentes, as negras nuvens dos tempos regulamentar e de compensação, das flash interviews e das conferências de imprensa afiguraram-se-lhes leves como penas, livres de julgamento e responsabilidade: “o árbitro não marcou o castigo máximo, temos desculpa”, entoavam-lhes aos ouvidos, num coro celestial, todos os anjinhos das mil crenças humanas. Ainda os rapazes de verde e branco rejubilavam nestas auroras e já um bracarense metera uma na gaveta do jovem luvas. Mas nada que abalasse os assegurados jogadores de Alvalade: a grande penalidade não assinalada era a remissão completa. O jogo desenrolava-se sem grandes sobressaltos, numa paz de igreja, "é deixá-lo correr", quando um estouvado suplente embica de pé de esquerdo o tento do empate (porventura de cabeça perdida de amores e

Os Mépes

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A imagem é sobejamente conhecida da produção cinematográfica de Hollywood: um employee demite-se ou é demitido do seu job e logo torna ao office munido de um caixote de cartão e packs as suas stuff ... Era esta a imagem que eu trazia na cabeça hoje de manhã, enquanto rumava ao emprego para demissionariamente arrumar as minhas coisas. Na gaveta da secretária, no meio da tralha do serviço, encontrei um pequeno recorte que tinha feito por alturas das eleições europeias de um folheto do MEP, Movimento Esperança Portugal, cuja sede é lá vizinha, na Rua da Madalena. Rezava assim a propaganda: "(...) Reforçar a coesão social e territorial, porque a Europa se construiu a partir da troca, da partilha e da interdependência. Nós sabemos que quando se divide multiplica-se, e esta certeza histórica, de que os mais ricos foram capazes de partilhar com os mais pobres e todos cresceram , obriga-nos a uma aposta ética e estratégica para tornar a Europa uma realidade de unidade na diversidade. (

Bush, cornos & outras metafísicas

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“Eu sei que o ser humano e o peixe podem coexistir pacificamente.” “Estas pessoas não têm tanques. Eles não têm barcos. Escondem-se em cavernas. Mandam suicidas para fora.” George Walker Bush. A propósito do que quer que fosse, num dia qualquer, algures. A) Estará certamente entre os maiores mistérios do novo século: por que raio foi George W eleito (e reeleito) presidente dos Estados Unidos da América? (1) No breve preâmbulo ao livro “Bushismos” (3€, no Modelo), mero inventário de disparates do Bush filho, uma hipótese é aventada: “Cremos que nas modernas democracias se acentua a tendência para a igualdade entre o eleito e os eleitores, e que estes tendem cada vez mais a eleger aquele com o qual mais se identificam, porque se igualizam. Nesta hipótese, o discurso de George Bush corresponde ao nível médio do discurso dos eleitores [sic] americanos, que dificilmente se aperceberão dos problemas do seu Presidente, pois nem estão educados, nem têm paciência para ouvir com atenção, nem tê