Aqui

E o que faz
Sou contabilista
Não me fiz entender, perguntei-lhe o que faz, não o que é
Julgo que foi isso que lhe respondi
Pareceu-me ouvir sou contabilista
E pareceu-lhe bem, foi isso mesmo que eu disse
Então está a ver, disse-me o que é, não o que faz
Compreendo
Por favor não me leve a mal a insistência
Concerteza que não, acho aliás interessante esse seu rigor nas palavras
Bem sei que a língua não se compadece destes rigores, são apenas manias
Mais facilmente lhes chamaria agasalhos do que manias
Agasalhos
Sim, para os rigores deste inverno da língua
Estou a ver que também aprecia os jogos de palavras
Vejo-me é muitas vezes sem parceiro
É curioso como a graça duma língua está muitas vezes nas suas ambiguidades
Aprecio muito essa palavra, graça
Escolhi-a cuidadosamente
Mas concordo consigo, se bem percebi o que quis dizer
Fui talvez ambíguo
Não tivesse sido desde início e não chegaríamos aqui
Aqui
Sim. Aqui
.
Diz-me então que é contabilista
Não posso dizer que seja
O que me pode dizer, então
Que faço a contabilidade de uma empresa
Isso é o que faz
Sim
E gosta do que faz
Gosto mais do que sou
E o que é, se me autoriza a curiosidade
Não sei se serei alguma coisa, diria que vou sendo
Que vai sendo
Sim
Confesso que não sei se estou a acompanhá-la
Por exemplo, consigo estou a ser talvez alguém que eu não conhecia
Estou a ver. Espero que esteja a gostar
Estou, e talvez seja isto gostar
Gostar
Sim, de alguém
Está-me a dizer que gostar de alguém é gostar da pessoa que somos com essa pessoa
Penso que sim
Acho que começo a compreender o que queria dizer há pouco
Há pouco
Quando disse aqui
E então
Então, nada
Pensei que tinha dito que começava a compreender
E começo, mas sou da opinião que nestes jogos de palavras devemos também saber guardar silêncios
Costuma jogar muitas vezes
Não posso dizer que sim
Agora sou eu que lhe pergunto, o que me pode dizer
Que também gosto desta pessoa que sou consigo