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A mostrar mensagens de março, 2021

Irrompem os carrilhões

Irrompem os carrilhões. Assim – “irrompem”. Sem aviso. Como uma torrente rasgando este silêncio morno de Domingo à tarde. Uma onomatopeia vinha talvez a calhar, mas nunca – Vuu-uhh-uum – foram bem a minha praia. A sala do carrilhonista fica (acho eu) na base da torre Sul, à direita de quem encara a fachada principal do Convento. O conjunto da torre Norte é – não me lembra bem o porquê, mas sei que já ouvi contar – tosco, abrutalhado, e não permite os mesmos virtuosismos melódicos. Dará, quando muito, para chamar à missa ou tocar os finados – em alta grita. Seja como for, o homem lá está, neste instante, naquele alto ermo, rodeado de toquinhos de madeira e de ferro, onde zurze com afinco (Abel; estou que se chama Abel, o carrilhonista-mor; não me recorda já o apelido), presos a grandes cabos que sobem às alturas semi-divinas dos mil sinos e sininhos joaninos (diz que cada um tem um nome; há-de certamente ser pela proximidade à pia baptismal, pela relação próxima com os ministros do Senh

Das moratórias

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♣ O Banco de Portugal publicou ontem mais alguns números relativos às moratórias concedidas no contexto da crise pandémica. Tudo somado, estão em causa sensivelmente 45 mil milhões de euros. As empresas assumem pouco mais de metade deste bolo: 24 mil milhões de euros. Este valor corresponde, números redondos, a 33% de todos os empréstimos concedidos a estes agentes económicos. Sem surpresa, os estabelecimentos de alojamento e restauração são o segmento de actividade que mais recorreu a este mecanismo de emergência: mais de 56% pediu a suspensão das suas obrigações. Olhando ao caso das PME - que, em 2018, segundo a PORDATA, eram mais de 99%  (!) do tecido empresarial nacional -, mais de 80% do crédito obtido está actualmente a coberto deste regime. Uma nota breve quanto aos particulares: as moratórias deste grupo ascendem presentemente aos 20 mil milhões de euros, 86% dos quais de empréstimos para habitação, num universo de mais de 400 mil famílias. Se é certo que só em Setembro é que

Anúncio da renovação do Estado de Emergência

Ouvimos há pouco, em directo, pelas ondas da rádio, o Presidente da República. Ouvimo-lo na cozinha, à mesa de jantar. O rádio da cozinha é um aparelho pequeno, analógico, sujeito às flutuações electromagnéticas e propenso aos caprichos do éter. Tem uma antena curta e um botão de sintonização tosco. Raras são as vezes que apanhamos a Antena 1 impecavelmente e dia sim, dia não, temos de a re-sintonizar. A voz de Marcelo chegou-nos com aquelas interferências hertzianas que conferem à rádio tanto do seu encanto. A exclusividade da voz, a ausência do ruído visual do aparato protocolar e da esquizofrenia dos ecrãs televisivos, mas também o chão frio da cozinha, a luz crua da cozinha, o tampo da mesa da cozinha onde tínhamos as mãos, tudo concorreu para a inusitada solenidade do momento.

3001 em protesto

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Realizou-se ontem, em Lisboa, uma manifestação de protesto contra a gestão da pandemia. A Lusa, no telex que algumas das principais redacções papaguearam com descaro ( Público , TSF , SIC Notícias , JN , todos publicaram o mesmíssimo (!) texto; só o Expresso teve a decência de vagamente fazer o seu trabalho), apontava para um número a rondar os 3000 participantes. Nada desprezível, portanto, sobretudo por estes dias. A notícia, que, tanto quanto pude ver, pouca ou nenhuma atenção mereceu da parte das televisões, resume-se assim:  Deu-se em Lisboa um ajuntamento de milhares de indivíduos sem máscara e sem que fosse cumprido o distanciamento social . Nem faltou, no final do copy+paste dos quatro órgãos noticiosos, a frase-síntese com os acumulados de óbitos e infectados desde Março do ano passado. Supõe-se que seja este o "enquadramento" jornalístico da peça. Realmente, para quê somar-lhe valores de mortos não-covid, estatísticas do desemprego ou da evolução do tecido empresa

Da váacina da Astrazenéca

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O presente imbróglio em torno da vacina da AstraZeneca [ váacina da Astrazenéca ] é talvez um episódio que, pelas suas contradições e nebulosidades, sintetiza de forma particularmente notável a actual circunstância histórica. 1) Noticiou-se, o mês passado, que o conglomerado anglo-sueco não estava - nem ia - cumprir com o acordado junto da UE. 2) Nos últimos dias, um número crescente de países europeus foi suspendendo a administração das vacinas desta farmacêutica. 3) Em causa estão complicações graves detectadas em pessoas que tomaram esta vacina. 4) Ontem, a Pfizer-BioNtech e a Moderna anunciam um acordo para uma compra adicional pela UE que totaliza 350 milhões de doses. À primeira vista, parece que estamos perante um gigantesco ajuste de contas. Os líderes da UE, cada vez mais pressionados com o que mediaticamente é percepcionado como um progresso demasiado lento das campanhas de vacinação, e depois de várias declarações públicas relativas às falhas de entregas da AstraZeneca - que

Desconfinamento: não há motivo para alegria

Começa amanhã [ começou ontem, dia 15, na realidade ] o desconfinamento e eu não sou capaz de me animar com a notícia. Soubemo-lo quinta passada, numa dessas cada vez mais insuportáveis apresentações em powerpoint de António Costa. Amanhã voltamos a poder beber a bica. Amanhã voltamos a poder usar os bancos dos jardins. Não há motivos para alegria. Nessa tarde, quem sabe enquanto Costa ultimava os preparativos para a comunicação, sentámo-nos na escadaria do Convento e, como não fazíamos há demasiado tempo, assistimos dali ao pôr-do-sol sobre o mar. Pensar que, ao fazê-lo, infringíamos a lei... Amanhã voltamos a poder beber um café no café – mas só ao postigo, em copo e com colher de plástico ou cartão, pegar e levar dali para fora. Amanhã voltamos a poder sentar num banco de jardim – mas nada de abusos: há por aí certamente um decreto que determina rigorosamente o número de pessoas que, em cada momento, o pode fazer. Não há motivos para alegria. Amanhã os cafés podem voltar a servi