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A mostrar mensagens de novembro, 2020

Covid-19: fenómeno discursivo e social

Já de há umas semanas a esta parte que a estratégia governamental assenta nisto: colocar o ónus no comportamento individual. Há-de ter sido visão dalgum conselheiro mais avisado. O discurso simplifica-se e a mensagem colhe: o vírus, efectivamente, transmite-se de pessoa para pessoa; logo, a transmissão e contágio são derivações directas do comportamento individual; ora se o Governo, de meados de Setembro a esta parte, não passa dez dias sem anunciar novas medidas, a conclusão é só uma: a culpa é de cada um de nós. E nem falta a instrução aos mais altos magistrados da Nação para que, sempre que possam, proclamem -  a culpa é toda minha . A mensagem adere. Mas há uma nuance muito importante - e aquele avisado conselheiro, leitor de Maquiavel e dos teóricos da Recepção, certamente pô-la logo em cima da mesa no primeiro momento: a culpa nunca será acolhida e entendida como sendo "de cada um de nós"; será, isso sim, como sendo  sempre do Outro . A recepção da mensagem traduz-se, n

Só mais um Sábado, afinal

Manhã de Sábado. Pouco passa das 9:30. Nove e trinta e três, para ser exacto. Perdão, trinta e quatro (o relógio não pára). Manhã de Sábado, dizia. Daqui a sensivelmente três horas e meia, 7+ milhões de portugueses ficam obrigados ao dever de recolhimento domiciliário. Antes de tocar ao recolher, saí à rua. Primeira coisa que adquiri e que depois me acompanhou em todo o percurso pelas ruas da vila: um pacote de rolos de papel-higiénico. Quatro rolos bem arrumados, um pacote maneirinho, muito portátil, Renova olé! , a embalagem sofisticada articula transparências plásticas com uma paleta de cores suaves e alegretes e formas entre o geométrico e o abstracto que sugerem movimento & infinito. Estes tipos esmeraram-se: a última coisa que vem à cabeça é que isto serve para limpar o cu. Cu. Ora aí está uma palavra impactante. Como será o símbolo fonético de «cu»? ⩊ Cu não leva assento. «Cu» é um vocábulo cru. Cru no estampido fonético ("cu", pam!), cru na quasi-monossemia (só me

Eu ladro e a caravana passa

Quinto dia de recolher obrigatório. Portugal terá ultrapassado hoje a marca dos 200 mil infectados com o novo coronavírus. Duzentos e quatro mil, duzentos e sessenta e quatro, para ser mais exacto. Balanço geral: recuperados: mais de 117 mil. Activos: quase exactamente 84 mil. Mortos: 3,250, nem mais nem menos. Testes realizados: mais de 3,850,000. Fonte: DGS, sexta-feira, 13, Novembro de 2020. 23:30, menos uma hora nos Açores. Foi decretado novo período de Estado de Emergência, que só no papel tem um termo. António Costa disse, carregando na nota de enfado: vame-lá ver. Disse: tudo fechado às 13h de Sábado. Disse: querem ter Natal, não querem? Todos queremos Natal. Quem não quer Natal? Querem Natal? É portarem-se bem. Disse: a culpa é toda minha e, para não haver equívocos, fecha tudo. (ouvem-se aplausos em fundo, acenos de aprovação) Disse: temos de pensar nos que estão na linha-da-frente e fazer por não sermos mais um que vai augmentar a pressão. A sua transferência foi concluída: a

Quinto dia de recolher obrigatório

Quinto dia de recolher obrigatório. Pensei em começar um texto assim: Quinto dia de recolher obrigatório. Era só isto.