Eu ladro e a caravana passa

Quinto dia de recolher obrigatório. Portugal terá ultrapassado hoje a marca dos 200 mil infectados com o novo coronavírus. Duzentos e quatro mil, duzentos e sessenta e quatro, para ser mais exacto. Balanço geral: recuperados: mais de 117 mil. Activos: quase exactamente 84 mil. Mortos: 3,250, nem mais nem menos. Testes realizados: mais de 3,850,000. Fonte: DGS, sexta-feira, 13, Novembro de 2020. 23:30, menos uma hora nos Açores.

Foi decretado novo período de Estado de Emergência, que só no papel tem um termo.

António Costa disse, carregando na nota de enfado: vame-lá ver. Disse: tudo fechado às 13h de Sábado. Disse: querem ter Natal, não querem? Todos queremos Natal. Quem não quer Natal? Querem Natal? É portarem-se bem. Disse: a culpa é toda minha e, para não haver equívocos, fecha tudo. (ouvem-se aplausos em fundo, acenos de aprovação) Disse: temos de pensar nos que estão na linha-da-frente e fazer por não sermos mais um que vai augmentar a pressão. A sua transferência foi concluída: a narrativa e o público-alvo trazem-nos à memória os infames idos da troika. Costa disse: vame-lá ver. Deixou o palanque, passada bolachuda, esquecido da máscara de algodão com a esfera armilar ou o raio que o parta na bochecha esquerda.

Rebelo de Sousa disse: bom. Disse: a culpa é toda minha. Houve analistas que acharam fantástico. Mas analistas. Enfim, os analistas. Todos sabem como são raros os analistas. Marcelo conhece os analistas. Marcelo em tronco nu. Disse: bom. Estabilidade a todo o custo, paz podre, OE'2021. E acrescentou: Outono-Inverno, Verão-Outono, quem podia saber? quem podia precaver? Marcelo disse: bom. E contou uma estória, reescreveu a história. Ensaiou-se, com descaro. Duas enormes pregas de pele do pescoço, um colarinho apertado, a gravata, a cadeira desconfortável. Evitar contacto visual. As pernas cruzadas, uns joelhos muito salientes, canelas de velho no intervalo livre entre a peúga e a perna da calça. Disse: bom. Plano fechado do António José Teixeira, barba grisalha irrepreensível. Entra um genérico sovina, vê-se um grande plano do palácio presidencial, imenso e branco, na placidez da noite de Lisboa.

Plano Março-Maio: suspender toda a actividade electiva. Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, na SIC Notícias, quarta ou quinta passada: chegam os grupos de risco a Novembro muito mais fragilizados. Ref.ª ao n.º & tipologia dos falecidos, sua evolução recente.

Reforço do SNS: mais que triplicar a capacidade de testagem. Diz Graça Freitas: cerca de 9% dos testados são positivos. Nove por cento, nove em cada cem, 9/100. Reforço do SNS (powerpoint de António Costa, fundo azul-republicano, arial 72, negrito): novas 200+ camas de UCI. Em mais pequeno: 51 camas de UCI já, 50 até 31/12 do corrente, 100 no primeiro trimestre de 2021. Faltou dizer: se Deus quiser. Diz-se, entre suspiros: é viver um dia de cada vez. Acrescenta-se, de quando em vez, suspiros entre: o futuro a Deus pertence. Apetece dizer, mas não podemos: puta que pariu essa conversa e mais esse merdoso desse suspiro, essa preocupaçãozinha sonsa e nasalada. Bardamerda.

Mas não.

Os lábios apertados numa dúvida, numa natureza contida, numa convenção de sã convivência, numa inefável auto-percepção de que.

Negacionistas e empresários da restauração manifestaram-se em Barcelona contra as restrições impostas para controlar a pandemia: manchete SIC Notícias, algures no tempo. Este mês que passou, salvo erro. Negacionistas. Como do Holocausto. O António Jorge, depois de interromper, de tossicar, de pedir CV e credenciais, de interromper outra vez, de dizer «isso vai totalmente contra a opinião dominante», depois de cortar a palavra; disse: queremos crer que os nossos ouvintes têm a inteligência de filtrar, se é que me faço entender. Fez ontem quinze dias, talvez.

O aniversário da minha mãe. O sogro do N.. As mortes: um enorme oitenta e dois, encarnado, em fundo preto, na capa do Correio da Manhã de ontem. Os 6,787 novos casos (ou eram 7,786? ou 8,677?) no apuramento diário da SMS do Saponews. A 3.ª Vaga, milagre da Anunciação. Black Friday, compras online. Nova Zelândia em rodapé: um (1) novo caso, medidas drásticas. Dizia assim: drásticas. Biden de máscara frente a uma multidão distante e democrata. Pfizer: 90% de eficácia, 50 milhões de doses ainda este ânus. Fecha-se Paris. Fecha-se a França toda. Tudo pela Covid, nem tudo pela Covid. É conforme. Decapitado Samuel Paty. Algum famoso infectado, assintomático, profilaticamente isolado. 191 concelhos [Mafra + 190]: dever de recolhimento domiciliário. O gato mia, mia, mia, igual a todas as noites.

Uma imagem: eu a ladrar & a Caravana Covid a passar.

Mensagens populares deste blogue

Algo de errado se passa.

Desencontro, ou Enquanto as ervilhas cozem

Os números COVID-19: ou latos em excesso, ou inconsistentes, ou pouco consolidados