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A mostrar mensagens de abril, 2010

Instantâneos 2

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Dos ordenados

Tendencialmente, dir-se-à que os ordenados são baixos. Dir-se-à que a recompensa monetária concretizada no salário mensal médio não é a adequada ao dispêndio de energia vital (de vida) que o trabalho médio exige (1). Pois estou cada vez mais convencido de que isto não corresponde à realidade. Afinal de contas, e aceitando estes termos, o desperdício diário da nossa vida não tem (não pode ter) preço. Dizer-se que os ordenados são baixos constitui-se, assim, como uma meia-verdade (2). Posto isto, fará sentido ponderar numa outra maneira de colocar as coisas, em alternativa à proposição «os ordenados são baixos». Tal como, por exemplo: os horários de trabalho são grandes. Demasiadamente grandes. . Dir-se-à que, mais que desajustados relativamente ao dispêndio de energia que implicam, os ordenados são, isso sim, insuficientes para permitir uma «qualidade de vida» satisfatória. Quanto a isto, e sem simplificar em excesso ou moralizar, fará sentido alertar para a proporção normalmente observ

Telegrama 042

042 Maio promete. Ele há já quem receie pelo abalo grave do "clima de estabilidade social" de que o país tanto necessita neste "cenário de crise". Quanto a mim, é o inverso: receio que, chegando Junho, toda a prometida convulsão se revele um novo grandessíssimo nada.

Instantâneos

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Elogio breve da filha-da-putice

Ó Lisboa, teus seios são as colinas, tu apronta-me teu asfalto chão para mais perdidamente beijares os beatificados pneumáticos do papamóvel no próximo onze de maio, . Ó Lisboa, toalha à beira-mar estendida, tu caia-me tuas fachadas egrégias para melhor arredondares uma vénia a sua santêza o pio papa bento xvi no próximo onze de maio, . Ó Lisboa, da luz que os meus olhos vêem, tu prostitui-te mãos-largas no peditório do Terreiro aquando da matemática missa das oitenta mil cabeças de gado e das duzentas mil coroas de oiro a custo-zero no próximo onze de maio, . Ó Lisboa, menina e moça, tu entoa-me as rezas todas que a ocasião te exigir com marcial disciplina mesmo que a garganta se te embargue com a inenarrável comoção de através de um mísero vidro à prova-de-bala vislumbrares sua eminência o ratzinger papificado no próximo onze de maio.

Profecia

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1 Isto foi no dia 11 de maio de 2010, o Papamobile ia Fontes Pereira de Melo abaixo a rasgar por entre um enxame de gente ali arrigementada (sem audível ordem superior) para gastar o extraordinário dia feriado a bajular sua santidade o Bento 16. Logo à vista do móvel papal no Saldanha, uma espécie de extâse libidinoso em jeito de arrepio percorreu todas as populares cervicais, um aaaii suado e profundo encheu a avenida. 2 Como quem tenta agradar, e o faz à força de uma credulidade humilde, um urro uno e emocionante de apoteose subiu das bordas que formavam o corredor da parada da sé santa, ouvia-se: péque nosso que estais no céu, santificados sejam vossos motes, venha-se por sobre nós sua ignomínia, sejam feitas vossas vontades, assim a terra seja vosso réu. 3 Mas por quem sois, não há como levá-las a mal - as gentes, bem entendido, foi mera confusão de religiões, que as há aos montes, às serras impossíveis de escalar, isto citando Sérgio Godinho com vista a uma mais arrebanhada musica

"É pão é pedra é fim de linha é lenha é fogo é foda"

Um nutricionista diz-me na rádio que uns dois terços de mim são água. É de espantar como raio não escorro cadeira abaixo. Sustenta-se-me portanto um corpo de setenta e cinco quilogramas em menos de vinte de matéria sólida. O homem aconselhou-me ainda a beber água abundantemente, com fins de reposição. Mas não acontece que quanto mais bebo mais mijo? É um ciclo vicioso. . $$$$$ . Durante meses sonhei o stupendo sonho em que uma amiga me massajava e lambia o pénis no banco da frente do autocarro. Eu repreendia-a molemente - olha que o motorista vê - enquanto com uma mochila sobre os joelhos lhe malcobria a cabeça. Que se demorava na minha cintura. Deliciosamente, de resto. . $$$$$ . Quando aqui há dias estava sentado na esplanada presenciei um desentendimento entre duas mulheres. Do que me foi dado ver, uma mulher mais velha, mais descuidada e mais pobre, que passeava ali pela rua, pediu um cigarro a uma mulher mais nova, mais cuidada e mais rica, que tomava café na companhia de duas ami

Diário de um índio: um país aos chutos nos novos Descobrimentos por terras africanas

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Necessidade tanto mais premente quanto maior for o "cenário de crise" (usando a expressão consagrada), a criação governamental de uma imagem de coesão nacional no imaginário colectivo tem ultimamente recaído quase em exclusivo sobre os ombros da estafada equipa de futebol Selecção Nacional. Por seu turno, o patrocínio multifacetado e a jorros das acções desportivas e mediáticas desta equipa escuda-se e fundamenta-se no patriotismo que, em paralelo, fomenta. O que, convenhamos, requer uma notável habilidade. Este investimento público num chauvinismo conveniente ao aligeirar das tensões geradas pelos descarados desiquilíbrios sociais (que essa mesma fonte agracia com o seu perdão e bênção), revela-se igualmente frutífero em termos estritamente comerciais. Bancos, cadeias de hipermercados, empresas de redes de telemóveis e de cervejas, só para citar as mais histéricas, mamam nesta farta teta ávida e sabiamente. E, no entanto, tudo é leve.

Diário de um índio: as imagens com que nos traduzem o mundo

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Tal como a chamada «literatura de mercado», o conteúdo dos jornais de distribuição gratuita assenta, sem qualquer pudor, nos mais folclóricos estereótipos. Esta via permite reduzir sobremaneira o tamanho das notícias - condição dourada para o estrondoso sucesso comercial destes diários - uma vez que os códigos sociais e os preconceitos dispensam quase totalmente uma contextualização jornalística. Especialmente apreciável é o documento que esta abordagem redactorial-comercial gera: são infinitas páginas tratando a sociedade, a moral e o dinheiro recorrendo a códigos, dessassombradamente datadas e plenas de uma honestidade que nenhum manual de História quer, pode ou consegue registar. Um outro aspecto: mesmo não alinhando na construção e manutenção destes estereótipos, mesmo se os rejeitar um por um, qualquer cidadão-anónimo será capaz de os entender.

Diário de um índio: a liberdade que prende

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A Liberdade de Expressão é um documento político de difícil interpretação. Ao que é dado ver, e tendo como bitola a expressão ela própria no seu sentido literal, decretou-se a liberdade de expressão após haver-se garantido a sua perfeita ineficácia. Isso ter-se-á alcançado (e perpetuado) por via de outros instrumentos político-partidários, como a demografia, o ordenamento do território e a lei-geral do trabalho. Neste âmbito, o caso do Direito à Manifestação dos trabalhadores é especialmente interessante, na medida em que a expressão livre do seu descontentamento não é apenas ineficaz: é, atalhando, contrária e prejudicial aos seus intentos.

Bem, Mal, História Relativizada e profundíssima análise de aparentes evidências que evidentemente aparentam evidenciar, ou aparentar

"Tenham como certo e bem seguro quanto lhes digo, todos os demonstradores de mal do século são uns intrujões que nos guardam na despensa um remédio enfrascado, remédio este que em nossa intenção será posto à venda, em troca de boa maquia, quando cairmos na parvoíce do susto horrorizado ante a sujeira que é a nossa língua. Um remédio como a religião, o trabalho ou o pasmo das multidões. É um simples problema de encenação, não uma ideia." . Hipótese nada risível, esta de não haver males (isto sou eu a subir os degraus de par em par). É ler Camus, ou as resenhas cinéfolas de André Bazin, ou etc., e pensar que, feitas as contas, isso de Bem e Mal são apêndices e sufixos socio-culturais e comerciais que, à luz da História Relativizada (a mais bela área de estudos que nunca foi), são úteis e estimáveis como as missas cantadas do Dom José Policarpo ou a Comissão parlamentar de Ética ao caso PT-TVI. Isto é, sempre há quem as ache úteis e estimáveis. A alternativa, de resto, não é reb

Diário de um índio: notícias não acontecem, fazem-se

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É frequente e passa incólume a (sobretudo) transmissão televisiva de acontecimentos e estórias em espaços noticiosos cujo carácter mais os qualificaria para outros programas, designadamente de entretenimento. Isto é dizer que há "notícias" que não são notícias. Ou melhor, são "notícias" meramente por serem apresentadas com esse nome ou no âmbito de programas de notícias. Esta constatação afigura-se-me relevante pelo seu inverso. A saber: se um acontecimento não for televisionado não é notícia - independentemente da sua importância pública. Tal relação e dinâmica não passará certamente despercebida aos olhos dos mandantes.

Diário de um índio: o trabalho de consumir(-se)

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Mais que um meio de obtenção de alimento e agasalho, o trabalho parece servir um outro fim dos que, trabalhando, lhe obedecem: o incremento gradual e pautado do arcaboiço de consumo. Em termos relativos, isto significa igualmente que a própria capacidade de consumo (o fim) jamais se vê incrementada. Pois ao maior músculo dinheiral sempre corresponde um maior halter de consumo. A lógica designada por progressão na carreira oculta, nessa nomenclatura, uma ordenada e obedecida progressão no consumo. Sem exageros poéticos, dir-se-ia que do trabalhador ele próprio.