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A mostrar mensagens de 2010

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D´A Queda

Ao deitar tenho já a «idade dos projectos por concretizar». A «idade dos sonhos» ficou lá atrás, algures no caminho. À distância, distingo as manchas que lh'ensombram a memória; e adivinho, ou entrevejo - mas sem admitir, sem desmascarar -, os momentos & acontecimentos que determinaram, em toda a sua aparente insignificância (na sua inofensiva trajectória), a remordente chegada a esta noite prematura. Noite prematura a qual, sem embargo, m'inspira um certo - meço bem o que digo (creio) - orgulho . Orgulho, sim. Orgulho talvez de ter consciência. Porque sinto-o como a uma certeza absoluta: velar o Sono dos Injustos é condição universal do processo de envelhecimento. E, de processo se tratando, o adormecer é justamente o tribunal do Grande Julgamento: aquele em que respondo perante mim. . O novo dia acorda o corpo dorido, arranca-o à absolvição do sono - para novamente o exibir nu, cara-a-cara, à imagem reflectida daquele que o julgou (que o julga ainda). Estou como aquele s

0,60€ (+IVA)

Eram 22:14H quando um trio d´apresentadores anunciou com pronunciado e bem ensaiado kitsch natalício que o "coração solidário" dos portugueses havia até àquele momento doado um bolo de 129.660€ (!) para a Causa Maior. Como? Através de chamadas para um desses números 760 não sei quantos, não sei quê, que de há uns tempos a esta parte rebentam nos serões televisivos nacionais como cogumelos. A chamada custa 60 cêntimos (mais IVA...), dos quais 0,50€ são o donativo propriamente dito. Claro está que a campanha de solidariedade calha bem à telefónica, mas não só. E é este o meu ponto. Façamos as contas ao que o Estado está a encaixar com a coisa. Tomando como ponto de partida os tais quase 26 mil contos das 22:14H, o valor d´IVA recolhido corresponde a uns apreciáveis 31.118€. Note-se que, neste exacto momento - 22:58H -, já o montante angariado ascendeu aos 163.672€!... É curioso que, numa campanha de solidariedade (com as devidas salvaguardas) como esta, exista de todo o modo a

Com a clareza que eu teimo em não adoptar

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A propósito da minha " Ordem das coisas ". Clique para ler.

Telegrama 046

046 É paradigmático que, num quadro social em que são as condições de vida em geral que estão em causa, a forma de protesto seja não ir trabalhar. A Vida é o Trabalho e o Trabalho é a Vida. Um e outra formam uma argamassa compacta e indissociável que define a existência humana.

Telegrama 045

045 Uma das maiores conquistas das lideranças democráticas foi, sem sombra para dúvidas, a autorização do protesto popular inócuo.

Do sistema fiscal

Só por si, a fraude fiscal custa (mais) impostos, não só pelos mecanismos de polícia fiscal e de carácter administrativo que faz introduzir num sistema (quiçá inapelavelmente) pesado e caro, como pelas, por assim dizer, compensações que, apesar de frequentemente omitidas no discurso político, sempre se verificam. Isto é dizer que, se todos pagassemos, todos pagavamos menos. . Na outra face da moeda encontra-se a canalização d´impostos para fazer face às necessidades da sociedade e do aparelho do Estado, em teoria aquilo que está a montante de toda a acção tributária. Quero dizer, a cobrança de impostos deve cingir-se ao estritamente indispensável (seria interesse tentar balizar e nomear o que é isto do estritamente necessário - assunto de grande sensibilidade nos dias que correm). Justamente, se, por um lado, o sistema fiscal se vê a braços com o virulento problema da fraude fiscal - cuja responsabilidade recai facilmente sobre os contribuintes -, do lado oposto da trincheira os contr

minuto de ecunomia

a montante de toda a salganhada respeitante ao orçamento do estado para o ano que vem encontramos uma lógica eminentemente conclusivista, que é semelhante a dizer fragmentária da realidade. não só a vida não se reduz a «mercados internacionais» e taxas de juros, como tampouco deles parte ou depende. isto é, não é necessariamente verdade que o rumo de um país comece onde a sua conta-mor acaba ou, por outra, se define. com efeito, a vida não pára. e muita houve antes deste ou de qualquer outro orçamento do estado. uma sociedade humana é sempre demasiado complexa para ser empequenada à luz perversa de uma visão meramente económico-financeira. por outro lado, a lógica que rege esta engrenagem aparentemente imparável é ela própria algo contraditória: pois sufocar a capacidade real (e, não esqueçamos, o ânimo) de consumo é frontalmente contrário à ordem-mãe dos estados industrializados. quanto à retórica que concerne à negociação da dívida pública portuguesa (cúmulo de irrealidade), dizer qu

Coisas a granel

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Puta que pariu o Orçamento do Estado

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A Ordem das Coisas

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O actual modo de organização social e económica parece reforçar-se mesmo nos momentos de crise, em que as suas deficiências e injustiças se evidenciam mais ruidosamente. Aliás, dir-se-ia que é num quadro de falência como aquele que se vive presentemente que o sistema se impõe com maior autoridade e, com apreciável desfaçatez, se proclama como sendo a derradeira solução, o último reduto. Nesta óptica, seria legítimo defender que tais «crises» são desejadas no seio da máquina, ou até que por ela são provocadas (com o risco característico de uma aposta num jogo de sorte). Com efeito, conjunturas de aperto financeiro e económico sempre se revelaram propícias ao desenvolvimento de certas condições laborais, políticas e de mercado que estão no cerne da perpetuação da corrente Ordem das Coisas. Órgão vital da Ordem, seu revestimento exterior - a sua pele -, a Comunicação (a palavra e a figura, a sugestão e a prestidigitação) assume um papel determinante. Numa dinâmica capitalista, todas as o

Marcadores de tempo

Marcadores de tempo O tempo que o tempo leva a passar, ou melhor, a noção que temos do tempo que o tempo leva a passar não decorre, como é costume dizer-se, do prazer ou desprazer que aquilo que estejamos a fazer, ou onde, ou com quem, nos causa. Prova disso é que o tempo passa rápido mesmo quando o gastamos a executar tarefas que nos desanimam, em sítios que nos angustiam e ao lado de pessoas que nos enervam. No trabalho, por exemplo. Um dia de trabalho intenso e com o mínimo de pausas passa a voar. A concentração adjacente à coisa pauta-se por uma notável distracção relativamente àquilo que poderíamos designar por marcadores de tempo . . Continuação da ideia Claro que o ror de ponteiros e dígitos que emolduram o nosso quotidiano em geral e o nosso local de trabalho em particular são os marcadores de tempo por excelência. Mas também o Outro (com os seus hábitos), as rotinas tradicionais (como a refeição da uma da tarde) ou certos aspectos genéricos da nossa sociedade (como as músicas

Presidenciais marcadas para meados de janeiro

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Não elegemos os mercados internacionais que nos governam. «Mercados internacionais» é um ser mitológico, focinho de iguana e corpo de homem-de-negócios. Diz quem sabe que caga de pé. É o pop hit #1 deste ânus de 2010. O cavaco vai ser reeleito e tudo nunca mais vai ser sempre o mesmo, porque o «Mesmo» vai ser submetido a um update autorizado da microsoft e tudo será para sempre o nunca que a situação actual das contas públicas aconselham. .

Breve porém séria apreciação dos oceanos e continentes, dos deuses e das gentes, onde se botam aspas na gíria da Ordem e que parece acabar a meio.

Cada vez são menos os que se aborrecem com a sua própria insatisfação perpétua. (Uns há até que se proclamam "contentes", o que, a não ser uma pobre mentirita, é sintoma de uma sensaboria atroz.) Isto, por norma, das duas uma: ou se fica a dever à mais elementar e insondável mitomania, flagelo quase tão soberano no espírito dos nossos concidadãos como a obesidade o é nos seus corpos; ou (quiçá por obra & graça de deus nosso sr. o consumo de Consumo - telefones móveis e anti-depressivos à cabeça) antes se trata de andarem os nossos concidadãos muito singela e ditosamente no mais perfeito alheamento. Claro está que ter boa parte da "população activa"/progenitura em tamanho estado de dormência cerebral - além dos colossais benefícios económicos que traz no bico - é coisa que, com a pachorra e a certeza dum ácido, e por via da educação, da instrução, da imitação e da genética - entre outras de menor arcaboiço -, sempre vai carcomendo (ou ajeitando) os miolos dos nos

Arte urbana

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Avenida Fontes Pereira de Melo, Lisboa. [clique para ampliar]

Num jardim pela paz

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aborrecimentos da ética

é normal, enfim, desejar álibis para as diversas ocorrências do dia-a-dia. o sujeito a quem as circunstâncias absolvem de qualquer culpa ou obrigação goza da maior das benesses: a imunidade perante os aborrecimentos da ética. um idoso tropeça à nossa frente. não o podemos ignorar, por maior que seja o contratempo. isto é especialmente verdade se houver testemunhas. agora, se virmos, ao longe e fora do nosso raio de intervenção, um velho a cair, então sim vamos poder tudo, incluindo querer ajudar. nesse caso, as cirscunstâncias foram-nos eticamente simpáticas: pelo simples facto de nada podermos fazer, podemos ser quem quisermos parecer (ou parecer quem quisermos ser). e isso é bom. diz deleuze que a ética é estar à altura do que nos acontece. justamente, esse é o maior aborrecimento da ética: o risco arbitrário de não estarmos à altura.

Condições mudas

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Comovo-me com o sofrimento alheio. Não falo daquele sofrimento extremo dos «dramas humanitários» a que as televisões gostam de dar cobertura, nem sequer daqueloutro sofrimento orgulhoso, beato e folclórico, que gosta de se exibir em público. Comove-me, isso sim, o sofrimento real. De resto, não concebo uma vida cheia sem a sua quota-parte de sofrimento real. O sofrimento real é o último reduto da beleza humana. Justamente, o Progresso pretende dar cabo desse reduto final, envolvendo-o num manto de maquilhagem, analgésicos e diversão. O Progresso fez da pressa e do barulho as traves-mestras do dia-a-dia. O mundo da felicidade são dois olhos borrados, os lábios empastados de batôn encarnado. "Sê feliz" é a Nova Ordem Mundial, que se nos impõe na forma de vontade íntima e espontânea. Não concebo que a felicidade possa ser alcançada sem que pelo meio haja tristeza. (não uma tristeza qualquer, mas uma tristeza franca e livre.) Dir-se-ia mesmo que a tristeza é o caminho para a feli

Os prisioneiros que prendem

Tenho ultimamente tomado especial atenção aos, chamemos-lhe assim, prisioneiros que prendem. Jeffrey Harbeson, o responsável máximo de Guantánamo, dizia aos jornalistas que "a história verdadeira" daquele sítio era a das "condições árduas" em que os militares norte-americanos ali trabalhavam - por oposição àquilo que ali conduzia a imprensa. Também eu queria saber das prisões sem acusação, das torturas à grande e à francesa, das zonas secretas e interditas, das visitas guiadas aos cenários montados ao jeito de Terezin. Mas não pude deixar de me interessar pelas palavras do almirante. Pela verdade que continham. Recordei-me do que pensei quando li uma crónica do Eduardo Cintra Torres, "Ronaldo e o fim da vida privada". A crítica à cultura papparazzi que ali era feita tinha nos jornalistas que cercavam a casa de férias do craque os derradeiros executantes de um crime. E, no entanto, aquela gente vergava-se, simplesmente, naturalmente, aos ditâmes das chefia

Obamamania

De há um ano a esta parte, mais coisa menos coisa, Obama é um dos produtos que mais vende. Obama é um sucesso de vendas. Aprecio particularmente o à-vontade com que Obama se vende em programas televisivos feitos para mulheres ( o alvo por excelência), bem como a leveza com que o seu franchising corre mundo: candidatos e partidos políticos a concurso (é no período de namoro que essa gente mais se deve obamar ) incarnam o modo de comunicar e de parecer do President, as suas frases-chave, a sua pose, os seus temas.

Da leitura

Que, sendo a Leitura um soltar d´amarras ou uma ponte de luz, se empenhem os líderes na sua proibição? Não, obviamente. Olha pra trás: sabes bem que isso (a proibição) não resultou. Olha em volta: fomenta-se (aos guinchos) a leitura. Mas a má: a leitura de capa, a literatura de mercado, a escrita-mercadoria.

"Subufaro" é muita bom, pá

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Eu futuro, tu futuras, ele futura (2)

16/Novembro/2010: PS e PSD sem acordo nas SCUT adiam cobrança de portagens para 1 de Dezembro.

Eu futuro, tu futuras, ele futura (1)

11/Outubro/2010: Maniche volta a integrar a lista de convocados da Selecção Nacional.

Do condicionamento

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"Aprendemos uma língua em criança e, se mudarmos de ambiente linguístico, podemos aprender uma segunda língua. Mas subsiste um sotaque, que não é senão o vestígio, muito profundo, dos primeiros circuitos culturais que se formaram no nosso cérebro aquando da nossa primeira aprendizagem da língua oral." As palavras são de Jean-Pierre Changeux, cientista francês, em entrevista ao Público. O especialista em neurobiologia molecular defendia assim a importância de uma educação laica, que permitisse "a cada um ter os seus sistemas de línguas, de crenças, etc." (e, no entanto, não será uma educação laica igualmente, e inevitavelmente, condicionadora?) Por outro lado, e à luz desta lógica de aprendizagem, parece certo que aprendemos também um sistema político, uma religião, um quadro ético, um modo de estar no mundo. Parece certo, assim, que o condicionamento (quero dizer, o por assim dizer substrato do "sotaque", do "vestígio profundo dos primeiros circuitos

Declaração de voto

Não acredito na "pedagogia pela catástrofe", nas "conexões imperativas entre a desgraça e entendimento" ou nas "energias didácticas e transformadoras da opinião que irradiam das tragédias" defendidas por Sloterdijk e citadas por Gonçalo M. Tavares no seu comentário póstumo à obra de Saramago ("Nos livros de Saramago, o apocalipse não é o fim, mas o primeiro dia."). E não acredito porque, em termos absolutos, não tenho esperança na Humanidade; porque penso que, derradeiramente, é a dimensão colectiva do Homem aquela que define e determina a sua acção e a sua impressão, por sobreposição à sua actuação individual, essa sim muito mais inspiradora. Ao invés, alinho-me com a «não-inscrição» de José Gil - aliás dia após dia reforçada - ou pelo menos numa intermediação e condicionamento do potencial pedagógico das tragédias (para usar a mesma expressão do ensaísta) por parte de uma entidade exterior e anónima que, para facilitar a comunicação, muitas vez

(sem título, porque há alturas na vida de um gajo que não vale a pena)

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Senão vejamos: as ideologias supranacionais que nos governam aos diferentes níveis do, 1) colectivo, e 2) íntimo, e que têm em cada executivo nacional o seu núncio de serviço, berram alto e bom som, com a pujança dos evangelhos: FORNICAI E MULTIPLICAI-VOS. . O amontoar de gente dá um jeito dos diabos, seja para dar azo aos caprichos burocráticos e legislativos das administrações públicas, seja para desencorajar o sentido crítico & a espontaneidade, seja ainda para enquadrar e até tornar necessárias barbaridades como o trabalho assalariado, os impostos ou a escolaridade obrigatória. Gente com fartura conduz à centralização, a centralização homogeniza e fabrica anonimato, o anonimato dos homogeneizados dá à luz a crítica má (coitadinhos, não têm culpa) e a crítica má dá cabo da crítica boa. Finalmente, por sua vez, sobre os escombros da crítica boa, erguem-se viçosos os democráticos governos democráticos. Forniquem mais, dizem eles. E logo vem a Estatística. A, chamemos-lhe assim, «d

Antes da final, as minhas escolhas

11 ideal: 1 GK Eduardo (POR) 2 DD Lahm (ALE) 3 DE Fucile (URU) 4 DC Friedrich (ALE) 5 DC Puyol (ESP) 7 MD Muller (ALE) 8 ME Robben (HOL) 6 MC Xavi (ESP) 10 MC Sneijder (HOL) 11 AV Fórlan (URU) 9 AV Klose (ALE) . Banco: GK Enyeama (NIG) DD Maicon (BRA) DE Coentrão (POR) MC Schweinsteiger (ALE) ME Ayew (GAN) AV Villa (ESP) AV Messi (ARG) . Notas adicionais: Robben e Sneijder corporizam, simultânea e respectivamente, a galáctica estupidez do Real Madrid e as excelentes épocas de Bayern e Inter. As selecções sul-americanas - de ligas emigrantes - encurtaram terreno à tradicional hegemonia das selecções europeias - de ligas imigrantes -, ficando por apurar o peso dos fracassos de Itália e França ou as prestações apesar de tudo medianas de Brasil e Argentina. Finalmente, um pouco à imagem de outras indústrias da acção humana (como a indústria automóvel ou a musical), notam-se cada vez menos as, por assim dizer, características típicas das diferentes nações, que derivariam da gen

Do Homem & outras coisas mais

O Homem é o último reduto da Esperança em Si mesmo. Não fosse esta construção suster-se à custa duma estrutura moral que pretende que uma realidade espontânea (ou o que de mais próximo do ideal do termo existe) pode ser sujeita a qualquer tipo de condenação a posteriori, e teríamos aqui um bom prato de Conversa. Ah, isto para não dizer que a ideia corporiza um contra-senso esclarecedor: pois que a matéria-prima do desatino é tida como a indústria transformadora da solução. Mas vejamos: para quê essa Esperança? Eis o que somos, aqui nos temos, não há como não gostar. Até porque não é de orgulho que se trata. Não pode ser. Numa palavra, não passamos de burlões de nós mesmos. A consciência tranquila é um património necessariamente privado, do foro íntimo de cada qual. No domínio público só há espaço para o desespero, para a decepção e para a mais vanguardista hipocrisia. É o que lá se dá, em suma. Depois, há que ver que os homens que pensam e escrevem o Homem fazem-no olhando para trás, o

A passadeira

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Quando volto à superfície, ao topo da escadaria da estação do metropolitano, tenho uma passadeira controlada por semáforos luminosos. Todos os dias, sem excepção, encontro o sinal verde para os peões. Hoje, pela primeira vez, isso aborreceu-me. Senti a minha vida como que cronometrada. Pensei que isso é totalmente inadmissível e reagi conforme. Infelizmente, não me ocorreu nenhum gesto melhor que ficar parado no passeio, em desobediência àquele detestável homenzinho verde, debaixo do olhar entediado dos condutores. Assim que o sinal mudou, os carros arrancaram com a impaciência que os caracteriza, indiferentes à minha luta. Ali me quedei, enfiado, à espera que novamente o sinal ficasse verde para mim. Quando isso aconteceu, apenas cruzei a estrada. Em vão tentei justificar-me durante todo o restante percurso até ao emprego - "Não, aquele sinal não te permite avançar. Ele ordena-te que o faças." Mais tarde, enquanto bebia um café numa pausa do trabalho, contei o sucedido a um

A traição da Beleza

Lúcio não concordou com a atribuição do prémio de Melhor Jogador em Campo a Cristiano Ronaldo. De facto, para quem assistiu à partida, destacar desta maneira o avançado português equivale a apagar dos registos histórico-mitológicos do Futebol o mui apreciável duelo travado justamente entre os dois capitães, em particular durante a segunda metade do desafio. Simultaneamente (se é que é possível), esta atribuição define Ronaldo como vencedor desse particular e necessariamente Lúcio como aquele que saiu vencido. E, mesmo sendo isto falso, não se trata, porém, de "justiça", como disse Lúcio. Trata-se, isso sim, de traição à Beleza do Jogo. Qualquer defesa anseia defrontar o melhor dos avançados. E vice-versa. Num confronto eminentemente físico, imperou sempre a lealdade. O talento dos dois especialistas fez o resto, naquilo que foi, segundo a expressão consagrada, um "espectáculo dentro do espectáculo". Cada músculo dos dois craques transpirava prazer, mesmo quando o ca

Inevitável fraqueza

Em vão tentamos ocultar as nossas inevitáveis fraquezas. E, no entanto, nada beneficiamos se, aceitando-as (aceitando-nos), as não disfarçarmos. A interpretação do Eu baseia-se, fundamentalmente, no Outro, no Próximo - bem entendido, naquilo que Ele nos deixa presenciar ou conhecer -, numa lógica de comparação que favorece a busca incessante das falhas alheias. E, inevitavelmente, lá as encontra. Por outro lado, num reconhecimento tácito dos seus próprios mecanismos, este flagelo envieza toda a acção individual no patético drama do Parecer, e assim voltamos ao início. Em suma, julgando avançar, rodamos infinitamente sobre nós próprios, confortavelmente instalados no seio de um pomposo colectivo de juízes-patetas.

O enterro de Saramago

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Morreu Saramago e logo toda a sorte de figuras públicas se condói e se verga perante o "génio literário" que "deixou o país órfão". Mostram-se sérios quando o fazem. Mostram-se também com pressa. Não sei se por trás deste movimento existe uma vontade consciente, mas este desfile de frases convencionais reescreve (ainda o homem não foi a enterrar) a História. Uma declaração de pesar, nesta altura, coloca o declarante ao lado do defunto escritor. Agora que morreu, Saramago já não é comunista, deixou de ser ateu e, o que é mais notável, retornou até à pátria. Tudo fica bem quando alguém morre. Em termos de respeito e consideração populares, morrer foi de longe a melhor coisa que podia ter acontecido a José Saramago.

Economia democrática

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A olho nu, a locomotiva das democracias europeias rola sobre dois carris: o do espaço económico comum, com todos os seus pretensos deveres e benefícios partilhados; e o da eleição por votação popular propriamente dito. Segundo os analistas e o pessoal político, esta composição corre o risco de descarrilar. Com o pretexto de a manter nos eixos, um pouco por todo o espaço europeu têm sido apresentados planos governamentais que se baseiam, em traços gerais, no aumento dos impostos, na redução do investimento público e no corte e/ou congelamento dos salários e demais matérias remuneratórias. Isto, que - teoricamente - é feito para manter os défices públicos (o fulcro de toda a acção governativa) dentro dos tais 3% que a certa altura ficou combinado (se bem que os 8% de défice apresentados pela França tenham uma carga completamente diferente dos 8% dos países mais petits), afigura-se-me sem embargo como a negação do substrato puramente capitalista que, pelo que nos vai sendo possível observ

1-1, nada mais natural

Muita tinta já correu a propósito do golo sofrido por Robert Green, o guardião inglês. Dele se diz que foi um "frango monumental" que "custou" à equipa inglesa a vitória na estreia da competição. Nada mais errado. A insistência em tamanha brutalidade só se pode explicar por uma ainda mais obscena ignorância das matérias filosóficas e místicas do Futebol (com F grande). Uma afirmação tão elementar é a expressão de uma pseudo-maneira de ver o jogo que urge banir: a de que há vencedores antecipados. Uma coisa é certa: muitos são os que vêem futebol, raríssimos os que o entendem. E menos ainda os que possuem a sensibilidade requerida para avaliar convenientemente a prestação dos luvas. Não assisti ao desafio entre ingleses e norte-americanos. Mas não só isso não invalida que eu desate para aqui a cagar postas de pescada, como me não impede de constatar dois factos capitais: um, que a Inglaterra dispôs de quase uma hora de jogo para marcar outro golo e garantir os três p

Chinfrins

As autoridades (as oficiais e as do mercado) muita vez as ouço em cuidados com o pouco que as gentes lêem, na medida em que isso está a montante de toda a sorte de falências formais das linguagens falada e escrita, tomem elas corpo no lamentável erro grafado ou na ordinária patacoada oralizada. Segundo o costume e o contrato com a editora, tais arrelios são tornados públicos em sessões de apresentação de prontuários ortográficos da língua camoniana - essa cabra traiçoeira -, eventos intelectuais como o caraças onde se trata de limpar o sebo a dois coelhos de uma só cajadada: não só essa gentalha ignara lê - aqueles volumes, bem entendido - como passa de imediato ao contacto com os erros que, assim, nunca chegará a cometer. Novamente. Atalha-se caminho e aligeira-se a civilização do povinho. Um brinco. Às duas por três, porém, a preocupação idónea das autoridades (das duas) enfim se desmascara em indignados trejeitozinhos de nojo e reprovação - os narizes afectados e as beiças repuxadas

E por falar nisso - já viste isto dos Descobrimentos? (1)

Por entre as brumas da avassaladora cobertura jornalística da presença da selecção nacional de futebol na África do Sul é possível vislumbrar - aqui e ali - evidências de que os chamados Descobrimentos ocupam ainda no imaginário colectivo português um lugar de orgulho e honra. Foi - vai-se dizendo (como quem relembra) - a "época áurea da História Portuguesa" - onde, presume-se, urge regressar na forma de pontapé na bola (e não tanto, como nesses saudosos idos, por meio de bordoadas no preto; mas lá iremos). Será caso para dizer que muitíssimo bem terá resultado a viril propaganda salazarista, hábil em reescrever estórias e em espartilhar o conhecimento, e além disso aparentemente sabedora dos sentimentos mais íntimos do seu rebanho - e aliás digna herdeira de cinco séculos do mais elegante racismo das Cortes imperialistas. De resto - e atalhando - a democracia trouxe mais mudanças de cosmética que de conteúdo propriamente dito. Justiça se lhe faça: nisto de manipular passados

Diário de um índio: puta que pariu as vuvuzelas

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Cada Estado tem as suas manhas para incutir nos governados um morno e artificial sentimento de pertença e coesão nacional, coisa muito porreira quando o que se pretende é fazer esquecer que as desigualdades socias estão aí vivinhas da silva e prontas para durar (a este propósito, vide entrada anterior ). Com efeito, na lógica político-partidária das democracias amodernadas, um governo terá tanto mais sucesso quanto mais profundamente conheça o fraco dos seus eleitores. No que concerne às manhas lusas, o decreto-lei do Governo da República - em melodiosa harmonia com a histórica subtileza portuguesa - ordena que se bufe numa corneta cor-de-laranja. A grei obedece, num arroubo de patriotismo cada vez mais frenético. Contra o tradicional bota-abaixismo português, a massa responde com «energia positiva». Perfeitamente alheia a todo este movimento, e assistindo a tudo muito bem instalada no camarote presidencial, uma gasolineira esfrega as mãos de contente. Mas há que dar o braço a torcer:

Este café preocupa-se com a higiene da memória dos seus fregueses

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Na volta, vai-se a ver e não exagerei

Há vezes que, relendo o que por aqui escrevinho (vendo-me de fora), me julgo exagerado, ou tipo radicalóide. Esta coisa do «Diário de um índio» que entretanto arranjei elenca invariavelmente nessa categoria do exagero. Diria que é a própria linha que imaginei para o «Diário» que gera um tipo de discurso muito simplificador e abrupto, impressão aguçada pelo tamanho relativamente curto das entradas. Mas adiante. Um dos textos em que mais achei exagerar foi o "Diário de um índio: um país aos chutos nos novos Descobrimentos por terras africanas" , onde falava de uma certa analogia entre os tratamentos e arranjos políticos e históricos (ou jornalísticos) dados aos Descobrimentos e à Selecção AA. Dito assim, há que convir que é, no mínimo, rebuscado. No entanto, hoje vi a publicidade da SIC que anuncia o acompanhamento que aquela estação irá fazer do Campeonato Mundial. E então pensei, divertido: na volta, vai-se a ver e não exagerei .

Da ecologia

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Quando a ecologia é simplesmente conduto ou chamariz para reclames publicitários, senão mesmo o objecto a consumir propriamente dito, e quando a maior difusão (d´alguns) dos seus princípios é assumida pelas grandes indústrias poluidoras de sempre - indústria automóvel à cabeça, mas há outras que tais - aí temos a ecologia lenta mas tenazmente amaneirada pela Ordem, ela que é #1 na manutenção dos seus territórios. A contestação ecológica original, potencialmente ameaçadora, foi (por mérito próprio, ironicamente) convidada a entrar na roda. E, com as ganas de tanto querer mudar este mundo sujo, aceitou. A Ordem foi-lhe dizendo que Sim senhor, tens razão para dar e vender, e tratou de a difundir à grande e à francesa - convenientemente revista, claro está - com vista à sua massificação e popularização. Por esta via, as condições para a desvitalização e mercantilização da ecologia reuniam-se paulatinamente. Quando deu por ela, a vanguarda ecológica (ou o que restava dela, ou o que foi toma

Diário de um índio: diante da Bertrand do CC Vasco da Gama

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Em última análise, mercados há só um (bem entendido, ordenado há também somente um) e todas as mercadorias têm em todas as outras as suas concorrentes directas (o que sem embargo não nega a lógica de mercados específicos para compradores específicos). É portanto sensato não esperar demasiado de lojas de livros e de música sitas em centros comerciais, uma vez que estas, não obstante a sua, por assim dizer, índole artística (mas nem por isso menos capitalizada, é bom que se diga), partilham um mesmo tecto com as cadeias de moda (apreciável locução), com as grandes lojas de electrodomésticos & tralha tecnológica diversa e, para atalhar, com tudo quanto há na praça do reino da quinquilharia e pechisbeque. Os ditâmes do negócio são claros como um urso polar e, para os que os tomam como naturais (já nem digo certos) e os seguem (ou vivem a tentar), não existe alternativa à massificação e infantilização do objecto a vender, seja ele qual for (já que o fim é o mesmo), o que, retomando o

Diário de um índio: armem por favor as armas do Amor

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Os vários sistemas políticos diferem, tanto quanto é possível vislumbrar cá de baixo, somente no meio de legitimar a governação de todo um Povo por um limitado número de indivíduos. Neste quadro, motes como o bem-comum, o desenvolvimento artístico ou a responsabilidade individual são - vade retro - convenientemente ignorados. Quanto ao mais, e contando as necessárias mudanças de cenário e banda-sonora, os diferentes sistemas são pouco menos que a mesmíssima bosta de cavalo. A título de exemplo, considerem-se os seus alicerces, todos eles interdependentes: desigualdade de oportunidades (no acesso ao Conhecimento e à Justiça), condicionamento dos comportamentos (através do Ensino Público e da Televisão), trabalho assalariado (na sua vertente de controlo do Quotidiano e do Consumo) e sobrepopulação (trave-mestra e garante de toda a Desigualdade).

PECMAN

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Não vejo como é possível criticar a subida de impostos anunciada ontem pelo Governo. São carradas de conceitos e definições inquinadas e enviezadas, profundamente enraizadas na comunicação social e nos meios de comunicação social, são pilhas e mais pilhas de comentadores e analistas políticos com interesses nem sempre obscuros, de farta credibilidade e astuta retórica, são montes e montanhas de agências de rating vindas não sei de onde, sabedoras das profundas do tesouro e finança nacional e plenas de imunidade na sua soberba, são «mercados» vagos e abstractos que - dizem - "nos pressionam", ou "nos sobem as taxas de juro", ou simplesmente desconfiam da nossa (?) idoneidade, são bolsas flutuantes e nunca como agora influentes na vida pública - é, enfim, uma imensa tempestade de areia que se abate sobre os nossos olhos. E nós de mãos atadas atrás das costas. Como, então, criticar a subida de impostos ontem anunciada? Não há como. Ao invés, nada mais elementar que def

O papa desceu à cidade, lá dos altos do Vaticano, aleluia, ou Notas da visita do Bento 16

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Todo este alvoroço com a visita do Papa deixa-me confuso. Manadas de jovens de t-shirt azul com letras estampadas berram e entoam cânticos que podiam muito bem ser dirigidos a uma estrela rock ou a uma equipa de futebol. A proximidade temporal com os festejos benfiquistas esbate ainda mais as presumíveis diferenças entre um acontecimento e outro. Com efeito, ouvi ainda há coisa de uma hora um enxame de miúdos numa cantoria ensaiada lá à porta da Nunciatura que rezava assim: . "Um papa fantástico Um papa belíssimo És a nossa fé Olé, papa, olé (...) Só eu sei Porque a-credito" . E isto é verídico. De manhã, já os tinha (não os mesmos, parecidos) ouvido gritar "Paaaapa, paaaapa" (emparelhado com o típico movimento de braços que se observa nos estádios de futebol) e logo então achei notável. Quando há uma semana ou uma semana e pouco começaram a pendurar pela cidade os quilos e quilos de publicidade da visita do pontífice sumo logo me chamou a atenção o esquema visual u

O presidente fala à cidade a propósito da visita do Papa

Ilustríssimos lisboetas, . Os prezados munícipes e demais transeuntes e operários façam-me o obséquio de entender que estarem uma porrada de ruas e avenidas cortadas ao trânsito justamente numa terça-feira de maio é assunto que pertence ao reino do divino e portanto muito para lá do mortal quotidiano do vulgo, pelo que a cooperação dos caros munícipes e etcétera é, mais que um favor que em prol do bom-nome desta mui leal cidade, altamente reputada no que à hospitalidade e bem-receber diz respeito, vos rogo; é, isso sim, um dever de cidadania e de, porque não, espiritualidade que vos cabe cumprir (por assim dizer) religiosamente. Estou certo que concordarão que o transtorno que só hipoteticamente sofrerão não faz sombra à indizível honra de acolher tamanha sumidade. Obrigadinho e que Deus vos cubra. . Muito vosso, o Presidente da Câmara

Ricardo Rodrigues, deputado do PS

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