Economia democrática

A olho nu, a locomotiva das democracias europeias rola sobre dois carris: o do espaço económico comum, com todos os seus pretensos deveres e benefícios partilhados; e o da eleição por votação popular propriamente dito. Segundo os analistas e o pessoal político, esta composição corre o risco de descarrilar. Com o pretexto de a manter nos eixos, um pouco por todo o espaço europeu têm sido apresentados planos governamentais que se baseiam, em traços gerais, no aumento dos impostos, na redução do investimento público e no corte e/ou congelamento dos salários e demais matérias remuneratórias. Isto, que - teoricamente - é feito para manter os défices públicos (o fulcro de toda a acção governativa) dentro dos tais 3% que a certa altura ficou combinado (se bem que os 8% de défice apresentados pela França tenham uma carga completamente diferente dos 8% dos países mais petits), afigura-se-me sem embargo como a negação do substrato puramente capitalista que, pelo que nos vai sendo possível observar, rege toda a empresa do Continente Velho. Afinal de contas, o jogo das sociedades de assalariamento é o do chapa ganha, chapa gasta. Isto é, aos trabalhadores são dadas (salvo seja) duas coisas: um conjunto de necessidades, que ele - o trabalhador - interiorizará como de sua livre e espontânea lavra; e um ordenado, cujo montante será, mais coisa menos coisa, o p.v.p. do tal conjunto de necessidades que lhe foram, e vão sendo, atribuídas. Ora bem, emagrecer esse capital de consumo vai no sentido inverso da engrenagem do mercado (que é a nossa vida). Aparentemente, pelo menos.
Já quanto ao sufrágio dito universal e à pretensa soberania popular, peguemJustificaros no exemplo belga, em que, segundo interpretam os especialistas que os jornais gostam de citar, está em causa a existência da Bélgica e está garantido o caos. Não sendo, é certo, um caso tão gritante como o do tratamento dado ao referendo irlandês ao Tratado de Lisboa, tais opiniões (que contam, e muito) não deixam de se inserir naquele pensamento que diz que Sim, senhor, dê-se ao povo o poder do voto, mas com a condição de que essa gente vote bem. Quero dizer, se, como apontam as sondagens, uma grande fatia dos eleitores belgas irá votar em partidos que preconizam a independência da Flandres, será nesse contexto social que o rumo da Bélgica deverá ser considerado e construído. Tal escolha não pode, a priori, ser alvo de um juízo, de um rótulo moral. Se a instituição democrática é tão aguerridamente defendida e até imposta noutras partes do globo, então que se validem, tal como eles se dão a conhecer, os seus resultados. Só o meio através dos quais são obtidos os supostos sentimentos populares devem ser sujeitos a verificação. Este tipo de posição constitui-se em larga medida como uma pressão da opinião pública que, de democrático, tem muito pouco. Aparentemente, pelo menos.

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