1-1, nada mais natural

Muita tinta já correu a propósito do golo sofrido por Robert Green, o guardião inglês. Dele se diz que foi um "frango monumental" que "custou" à equipa inglesa a vitória na estreia da competição. Nada mais errado. A insistência em tamanha brutalidade só se pode explicar por uma ainda mais obscena ignorância das matérias filosóficas e místicas do Futebol (com F grande). Uma afirmação tão elementar é a expressão de uma pseudo-maneira de ver o jogo que urge banir: a de que há vencedores antecipados. Uma coisa é certa: muitos são os que vêem futebol, raríssimos os que o entendem. E menos ainda os que possuem a sensibilidade requerida para avaliar convenientemente a prestação dos luvas.
Não assisti ao desafio entre ingleses e norte-americanos. Mas não só isso não invalida que eu desate para aqui a cagar postas de pescada, como me não impede de constatar dois factos capitais: um, que a Inglaterra dispôs de quase uma hora de jogo para marcar outro golo e garantir os três pontos, e que não o fez; dois, que a Inglaterra, nessa quase hora de jogo, não sofreu mais nenhum golo. E se é certo que, no primeiro, nenhumas responsabilidades podem ser imputadas ao guarda-redes do West Ham, já no que diz respeito ao segundo facto não é tanto assim. Antes pelo contrário. De resto, quando Capello afirmou que Green fez uma boa segunda parte não estava, nem de perto nem de longe, a ironizar ou a desculpabilizar (-se). Porque Capello entende o jogo. E sabe que, quando elogiou a segunda parte de Green, podia muito bem ter lamentado a inépcia de Rooney (por exemplo). Sempre os guardiões foram incompreendidos, e não raras vezes pelos próprios treinadores. Nesse campo, Green teve sorte. Outro seleccionador já não o colocaria em campo na segunda partida. Mas Robert Green ainda tem muito Campeonato do Mundo pela frente.
Por outro lado, consideremos a formação norte-americana. Se é certo que Donovan, um talento nato, um futebolista de nível europeu, há só um, não é menos verdade que esta equipa corporiza o espírito desportivo norte-americano, ele que tantos e tão bons resultados vem parindo ao longo das últimas décadas nas várias modalidades. Altidore é a incarnação deste paradigma. Outros, como Dempsey ou Howard, sendo feitos dessa massa, trazem consigo os ensinamentos da melhor escola de futebol do mundo, a Premier League. Em suma, estes EUA não são a Dream Team que só uma NBA consegue providenciar, nem sequer os portentos das pistas ou das piscinas que arrebatam os pódios dos Jogos Olímpicos. Mas são os representantes de uma nova forma de jogar e de encarar as provas que, sendo inevitavelmente descendente do football, é no entanto muito diferente. O soccer é uma nova filosofia futebolística. *
Finalmente, tornemos à selecção inglesa. A Premier League, de que já aqui se falou, é o último reduto do Futebol. O seu apaixonante estilo ofensivo, a sua virilidade, a sua lealdade e o seu 4-4-2 típico (que a selecção inglesa necessariamente transporta), ao mesmo tempo que lhe enche os estádios e que lhe granjeia tantos elogios por esse planeta futebolístico fora, traduz-se historicamente numa falta de competitividade que, felizmente, nem por isso os leva a adoptar um pensamento resultadista.
Assim sendo, 1-1, nada mais natural.
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* Quanto a novas filosofias, não esqueçamos a Coreia do Sul.

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