O papa desceu à cidade, lá dos altos do Vaticano, aleluia, ou Notas da visita do Bento 16

Todo este alvoroço com a visita do Papa deixa-me confuso. Manadas de jovens de t-shirt azul com letras estampadas berram e entoam cânticos que podiam muito bem ser dirigidos a uma estrela rock ou a uma equipa de futebol. A proximidade temporal com os festejos benfiquistas esbate ainda mais as presumíveis diferenças entre um acontecimento e outro. Com efeito, ouvi ainda há coisa de uma hora um enxame de miúdos numa cantoria ensaiada lá à porta da Nunciatura que rezava assim:
.
"Um papa fantástico
Um papa belíssimo
És a nossa fé
Olé, papa, olé
(...)
Só eu sei
Porque a-credito"
.
E isto é verídico. De manhã, já os tinha (não os mesmos, parecidos) ouvido gritar "Paaaapa, paaaapa" (emparelhado com o típico movimento de braços que se observa nos estádios de futebol) e logo então achei notável.

Quando há uma semana ou uma semana e pouco começaram a pendurar pela cidade os quilos e quilos de publicidade da visita do pontífice sumo logo me chamou a atenção o esquema visual utilizado. «Papa Bento XVI Portugal 2010» surgia sempre nos cartazes como se de uma mera marca se tratasse, sobretudo em termos de enquadramento. «Papa Bento XVI Portugal 2010» estava para estes reclames como «Vasenol» está para os anúncios de cremes para as pernas das mulheres, ou «McDonald´s» para os de um novo hamburguer.

Uma outra coisa que julgo apreciável é a fraca figura do padre santo. Em contraponto, as fotos oficiais, porventura com ganas de passar uma imagem de autoridade ou coisa que o valha, são sacadas dum plano mais baixo ou ao nível dos ombros, o que, duma maneira ou de outra, lhe confere aquele emblemático ar de demoniozinho sarcástico. Pois a verdade é que o homem não passa de um pobre velhote, raquítico e enfezado, facto que nem o fausto da comitiva e do papamóvel consegue disfarçar. E digo-o secamente, sem qualquer carga subjacente. Afinal de contas, nem outra coisa seria de esperar. Mas fica na retina aquela silhueta de ave branca e atarracada com uma asa frágil a acenar precariamente à multidão eufórica.

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