Os prisioneiros que prendem

Tenho ultimamente tomado especial atenção aos, chamemos-lhe assim, prisioneiros que prendem. Jeffrey Harbeson, o responsável máximo de Guantánamo, dizia aos jornalistas que "a história verdadeira" daquele sítio era a das "condições árduas" em que os militares norte-americanos ali trabalhavam - por oposição àquilo que ali conduzia a imprensa. Também eu queria saber das prisões sem acusação, das torturas à grande e à francesa, das zonas secretas e interditas, das visitas guiadas aos cenários montados ao jeito de Terezin. Mas não pude deixar de me interessar pelas palavras do almirante. Pela verdade que continham. Recordei-me do que pensei quando li uma crónica do Eduardo Cintra Torres, "Ronaldo e o fim da vida privada". A crítica à cultura papparazzi que ali era feita tinha nos jornalistas que cercavam a casa de férias do craque os derradeiros executantes de um crime. E, no entanto, aquela gente vergava-se, simplesmente, naturalmente, aos ditâmes das chefias numa sociedade assalariada. Os militares de Guantánamo, por seu lado, apenas cumprem ordens, como aliás bem notava o almirante Harbeson. O maniqueísmo normal com que gostamos de olhar a complexidade pode impedir-nos de considerar estas miudezas na medida do que valem. E não é certo que valham grande coisa.

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