Marcadores de tempo

Marcadores de tempo
O tempo que o tempo leva a passar, ou melhor, a noção que temos do tempo que o tempo leva a passar não decorre, como é costume dizer-se, do prazer ou desprazer que aquilo que estejamos a fazer, ou onde, ou com quem, nos causa. Prova disso é que o tempo passa rápido mesmo quando o gastamos a executar tarefas que nos desanimam, em sítios que nos angustiam e ao lado de pessoas que nos enervam. No trabalho, por exemplo. Um dia de trabalho intenso e com o mínimo de pausas passa a voar. A concentração adjacente à coisa pauta-se por uma notável distracção relativamente àquilo que poderíamos designar por marcadores de tempo.
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Continuação da ideia
Claro que o ror de ponteiros e dígitos que emolduram o nosso quotidiano em geral e o nosso local de trabalho em particular são os marcadores de tempo por excelência. Mas também o Outro (com os seus hábitos), as rotinas tradicionais (como a refeição da uma da tarde) ou certos aspectos genéricos da nossa sociedade (como as músicas de três minutos ou as horas de ponta nos acessos às cidades-de-trabalho) se constituem como importantes marcadores. É na presença destes marcadores e outros que tais que a noção que temos do tempo que o tempo leva a passar se define: ora alongada, ora minguada, todavia nunca real. Não existe provavelmente tempo mais comprido que aquele passado sob um relógio de parede numa sala-de-espera. Por oposição, o mais curto dos tempos é aquele durante o qual dormimos. Em ambos os casos, não se trata da velha questão do fazer-se algo de que se gosta ou, ao invés, algo de que não se gosta. Ao mesmo tempo se afirma que o tempo não tem sempre o mesmo tempo.
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Achega desconexa aparentemente
Analogias entre dia-a-dia e guerra: o recurso a manobras de diversão não é algo que se possa apelidar de descabido ou até inapropriado. Também no dia-a-dia não há vencedores. Como na guerra, os motes das facções guerreiras não são claros, sobretudo por força da contra-informação ininterrupta. As baixas civis são mais que muitas, bem como os chamados fogo amigo e danos colaterais. Finalmente, as declarações de pesar e d´homenagem por partes das autoridades oficiais sucedem-se em catadupa. Tudo é guerra, tudo é contra-informação e toda a máquina de guerra se esmera por colocar a sua inevitabilidade acima de qualquer suspeita. O quotidiano é um cenário de guerra clássico. Como tal, a normalidade oculta, exibindo-as, um sem-número de atrocidades.

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