Do condicionamento


"Aprendemos uma língua em criança e, se mudarmos de ambiente linguístico, podemos aprender uma segunda língua. Mas subsiste um sotaque, que não é senão o vestígio, muito profundo, dos primeiros circuitos culturais que se formaram no nosso cérebro aquando da nossa primeira aprendizagem da língua oral."
As palavras são de Jean-Pierre Changeux, cientista francês, em entrevista ao Público. O especialista em neurobiologia molecular defendia assim a importância de uma educação laica, que permitisse "a cada um ter os seus sistemas de línguas, de crenças, etc." (e, no entanto, não será uma educação laica igualmente, e inevitavelmente, condicionadora?)
Por outro lado, e à luz desta lógica de aprendizagem, parece certo que aprendemos também um sistema político, uma religião, um quadro ético, um modo de estar no mundo. Parece certo, assim, que o condicionamento (quero dizer, o por assim dizer substrato do "sotaque", do "vestígio profundo dos primeiros circuitos culturais") é sumariamente inevitável. Esta inevitabilidade, por seu turno, iliba-o de qualquer condenação.
Importa (ou melhor, resta-nos) ter em mente que a nossa essência mais profunda é invariavelmente fruto dos mais diversos condicionamentos. Ou mais ainda: a nossa essência é o condicionamento.

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