De que falamos quando falamos de leitura?

A pergunta foi-nos colocada num interessante seminário da responsabilidade de um não menos interessante José Fanha (a ideia é simples: falar de leitura entre as 19h e as 21h das quartas-feiras de Novembro).
Na hora, ocorreu-me imediatemente responder que falamos de nós próprios, do que pensamos e sentimos. No fim de contas, a leitura é - ultrapassadas as duas ou três respostas básicas iniciais - assunto de monta, coisa grande e profunda. Uma resposta reflectida a esta questão torna-se muito rapidamente num discurso do eu, num enunciar de gostos íntimos, de hábitos mais ou menos secretos, de convulsões que têm lugar debaixo da pele. Mas responder que ao falarmos de leitura estaremos falando, isso sim, de nós mesmos é afirmação cujo sumo muito rapidamente se consome.
Com efeito, que outra coisa fazemos quando falamos? Esse é, aliás, um dos nossos maiores poderes. Assim o queiramos, e, através de uma selecção bem calculada de palavras e silêncios, apenas daremos aos outros - como base de julgamento, entenda-se - aquilo que nós pretendemos. Isto é, se o que, e como, opinamos e descrevemos é um dos pilares da decisão dos jurados com que dia após dia nos confrontamos na tribuna da nossa pessoa, então lhes daremos as provas e os indícios que bem queiramos para uma sentença à medida dos nossos desejos. A nossa existência é em grande medida exterior, define-se largamente pelo que oralizamos. Proponho portanto a mentira, o engodo, a máscara, o espartilho, a diplomacia, a hipocrisia. Só assim seremos felizes para sempre. Como dizia o outro, "Truth can bring so much useless, worthless, unconcieving pain".
Mas afinal: de que falamos quando falamos de leitura?

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