Das pessoas

Dislates mais ou menos jactantes a propósito duma pretensa genética pátria, em que se repisam e se requentam acriticamente chavões relativos a mais das vezes a situações particulares, assim ilegítima e inutilmemente nacionalizadas - é coisa que me aborrece solenemente. Mas piora quando se fala "das pessoas". "As pessoas" - portuguesas, entenda-se - "não participam" ou "as pessoas não reclamam" ou "as pessoas não pensam"; e por aí adiante. A equação exclui explícitamente o eu, iliba-o e, em certa medida, diviniza-o: como se pairasse, sábio contemplador, sobre o vulgo, pequena gente pequena que "às vezes, até me envergonham de ser portuguesa" (na última ocasião em que assisti a este discurso-tipo tomava a palavra uma mulher, aliás professora de Língua Portuguesa do 3.º ciclo, se é que este dado acrescenta inteligência à conversa).
Tudo isto me aborrece muito, de molde que vou alternando o mais indiferente dos bocejos com o espingardar mais assanhado. Mas, devo dizê-lo, o pior-pior é quando, num mimetismo insuportável, numa incoerência remordente, sou eu quem fala "das pessoas".

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