A propósito de Copenhaga

1 Nunca os governos nos deram provas de boa-fé. Nunca as lideranças se mostraram bem-intencionadas. Nunca as decisões políticas e económicas se revelaram desinteressadas. Estarão agora verdadeiramente preocupados com os impactos ambientais e sociais devidos ao «aquecimento global»? De resto, o cenário de risco propriamente dito - que tem servido de ponto de partida e de escala a toda a acção diplomática, bem como de sustentação à generosa canalização de verbas - tem um ímpeto sobretudo propagandístico, impressionista, televisivo; e não tanto uma base científica, desapaixonada e objectiva.
2 Muitos foram os meios através dos quais os países mais industrializados perpetuaram a sua posição dominante; um dos mais determinantes terá sido justamente o recurso exaustivo a indústrias ultra-poluentes. Isto leva-nos a um ponto (que corro o risco de simplificar em demasia): quem nos legou tão devassado ar? Não terá sido Madagáscar; sequer Portugal. Quem foi então?
3 Em boa medida, os Estados são antónimos das Multinacionais. Constitucionalmente e em tese, não se regem senão pelo supremo interesse das suas populações e pela defesa da sua soberania. Historicamente e na prática, porém, isso não parece ser assim tão cristalino. Num contexto em que nações neo ou ex-colonizadas apresentam índices de crescimento económico elevadíssimos e em que se começam a afirmar, não só como potenciais potências comercias, mas sobretudo enquanto novos decisores a nível político - em virtude também do seu peso demográfico -, eis que a ameaça do «aquecimento global» obriga à imposição de limites às emissões poluentes. Algo a que as economias ocidentais nunca estiveram sujeitas durante o seu período de maior crescimento.
4 Das emissões de CO2 eventualmente contabilizadas, por exemplo, à China ou ao Vietname, que parcela desse bolo é para benefício interno? Refiro-me a um facto que importará não menosprezar: há muito que as multinacionais europeias e norte-americanas transfiraram as suas produções para tais países - o que, aliás, talvez até nem se deva a razões de tipo ambiental. Paradoxalmente, comissões, agências e governos europeus e norte-americanos condenam repetidamente a violação dos direitos humanos nas fábricas chinesas e vietnamitas...
5 Mas serão as razões ambientais indiferentes a estas transferências internacionais da produção? Relembremos, a este propósito, o toxic memo de Lawrence Summers (aqui). Ao propor, "aqui entre nós", a migração das indústrias poluentes para os países menos desenvolvidos, não estaria o então (em 91) economista-chefe do Banco Mundial (hoje director do National Economic Council de Obama) a esboçar já a estratégia a seguir numa conjuntura mundial nova que, seis anos mais tarde, gerava o Tratado de Quioto? Tanto que aí temos o amigo Summers: na linha-da-frente.
6 Pretendo apenas uma coisa: compreender ao certo a expressão política da legítima luta contra a poluição. E repito: nunca as decisões políticas e económicas se revelaram desinteressadas.

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