o homem que comeu o estômago

cansado da fome, o homem decidiu-se a comer o próprio estômago.
se comer o estômago, explica, não só mato a fome que ora sinto como a que infinitamente tornaria.
uma voz feminina (de avental) aproxima-se; e, com o desembaraço do dizer de cor, atira: dê-mo cá que lho frito, o senhor gosta de iscas, não gosta?, pois deixe que lhe apronto um petisco, ó, daqui.
entre o homem e a feminina voz jaz uma frigideira onde um pé de louro e três dentes de alho assam num inferno de óleo e margarina.
sobre a frigideira, a voz feminina esmera-se, insinua-se; e acrescenta, estranhamente sedutora: diz que os olhos também comem.
perfeito, pensa o homem, matarei igualmente para todo o sempre o apetite da vista.
e alto: isso bem passado, não tenha pressa.

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