30, 35 minutos

E alguém ao telefone me diz
- 30, 35 minutos e estamos aí, OK, senhor André Campos?
Aquiesço com um abanar de cabeça (do outro lado da linha hão-de ter pensado que, enfim, quem cala consente) enquanto penso
- 30, 35 minutos de vida a valer, ou de felicidade-quasi, que o resto do dia será de infinita tristeza, ou de puta incerteza.
Isto havia de ser tudo assim. Olhe, tem 30, 35 minutinhos até não se sabe o quê, trate portanto de os gozar, OK, senhor André Campos? Destarte, bastante facilitados ficariam aos nossos olhos os processos burocráticos e administrativos do estar vivendo a que maximamente somos autorizados pelos deuses que, ó concretíssimo Ricardo Reis, são feitos à nossa imagem. Talvez por isso se revelem tamanhos cretinos.
Mas nisto já perdi uns cinco preciosos minutos. Revisito num ápice a tabuada do ratinho da infância (que passou e não ficou, que nada ou nada-quase deixou e que, benditos sejam os deuses, nunca regressará) e calculo que me restam na melhor das hipóteses seis reflexões de segunda categoria, como essa que me sentou o Ricardo Reis à mesa (não escrevi ainda que estou num café, não escrevi nunca que estou sempre num café), que, armado a poeta, não me deixa gizar em paz um plano para dar pleno uso aos 30, 35 minutos que alguém me concedeu
- Dia que não gozaste não foi teu, foi só durares nele
e, tendo dito isto, pirou-se, por pura sorte não tomou nada, foi só sentar, largar o aforismo e ala, que aí vai ele, senão ainda tinha de lhe pagar a despesa. Mas que estou para aqui a dizer? Ao que dizem, o homem sempre viveu desafogado, nunca lhe faltou freguesia, especialmente no Brasil; além de que era um cavalheiro doutra época, jamais teria o desplante de abalar com a conta por liquidar. Antes pelo contrário. Na volta, deixou-me o café pago.

Mensagens populares deste blogue

Algo de errado se passa.

Desencontro, ou Enquanto as ervilhas cozem

Os números COVID-19: ou latos em excesso, ou inconsistentes, ou pouco consolidados