Idiot box

Sentado no sofá, olho o televisor apagado, espelho negro, e vejo um sofá vazio.
O ecrã mira-me com desprezo. Eu é que estou apagado, não é ele. Ele é que tem o comando, não eu.
Eu sou ele, ele diz-me quem sou.
.
Ele é o gigante na jaula de vidro, como alguém disse, jaula que é diferente das outras, e nem tanto por ser de vidro, mas porque estende as suas correntes para além do seu perímetro, ou de dentro para fora.
Enjaula enquanto diz que liberta.
.
Eu sou apenas mais um satélite no sistema solar que a sala corporiza. Tudo aqui gira em torno da televisão. A sala, lugar de convívio e refeições, deriva na sua órbita. O convívio, as refeições desenrolam-se debaixo da sua influência, por ela condicionados, por ela definidos.
Tudo pulsa ao seu ritmo.
.
Aperto o telecomando.
O espelho negro acorda, jorram cores e sons, a sala agita-se, mil sereias seduzem-me, cem poetas me embalam, fundo-me com as almofadas do sofá, gravito algemado às imagens.
Subitamente feliz.

Mensagens populares deste blogue

Algo de errado se passa.

Desencontro, ou Enquanto as ervilhas cozem

Os números COVID-19: ou latos em excesso, ou inconsistentes, ou pouco consolidados