Emprego & C.ª Lda. (1)

Além do verdadeiro terror do desemprego, particularmente opressivo nos casos em que já foram contraídas dívidas, em que já foi hipotecada a vida toda (ou, no mínimo, os próximos 40 anos), ou em que já floresceu a semente do amor & sexo (ou vice-versa) na forma de um rebento a anos-luz da autonomia física e, sobretudo, financeira
– importa analisar uma outra face desta moeda de muitas caras que é o, genericamente falando, Mercado de Trabalho: o emprego propriamente dito. O Emprego, porque nem só de falta de emprego se faz e se alimenta esta espessa bruma que nos entristece diariamente, que nos abate e nos moe, que nos distrai, desconcentra e baralha
(além do muito distraídos, desconcentrados e baralhados que somos já por defeito, uns mais que outros, é verdade, mas uma coisa não invalida necessariamente a outra).
E este emprego que nos calhou em sorte, fruto de anos e ânus de códigos do trabalho discutidos por gente que não trabalha, de políticas de emprego ditadas por pressões e interesses que não os da (assim chamamos Portugal) nação e das suas gentes, do marasmo perpétuo cultivado por e para inanimadas massas acríticas, por bufos e bufas (bufas de boca e bufas de cu), por saias e cintos promotores e protagonistas de escaladas horizontais, cunhas e jeitinhos, joalheiras e toques de pulso, fruto também de uma escola facilitista, reles, vincadamente escolástica e burocrática, rotundamente oca e acessória, de e para maus alunos, de e para maus professores, de e para maus encarregados de educação,
e muitos outros factores, está claro, nem outra coisa seria de esperar, mas por ora estes bastarão, já a ideia terá passado, melhor ou pior,
e no caso, em verdade, pouco se acrescentaria à inteligência da discussão alongar a pretensa denúncia.
Assim sendo, diga-se apenas que, deste emprego que temos, somos culpados,
em partes semelhantes e com excepções apenas na medida mínima indispensável à confirmação da regra,
vítimas, carrascos e gradações intermédias.
Mas dizia: (...) este emprego que nos calhou em sorte e a que não escaparemos para mal dos nossos pecados,
que é mal pago,
que é precário,
que é estupidificante e recompensador da estupidez,
que tem horários feitos à medida do empregador,
este emprego que é assim porque assim impõe o mercado global,
que é assim porque a isto obriga a competitividade das empresas,
que é assim porque a isto levou a crise financeira mundial,
que é assim porque se não estás para te sujeitar então desampara-me a loja que tenho lá fora alguns vinte que até me lambem os tomates para ficarem com este posto,
porque, enfim, é o que há cá
(e não discuta a gestão do stock, não meta o nariz onde não é chamado).
.
Vem o governo, pê-ésse ou pê-ésse-dê,
de quando em vez muda-se uma letra por pudor e graça,
e diz o ministro
(ou a ministra, que a diferença é pouca, quase toda se resume à forma como urina ou fornica),
Estamos profundamente preocupados com a situação actual, como tal tomámos 33 medidas, diga 33, todas elas irão ao fundo da questão, umas à estrutura, outras à flor da pele, umas para já, outras para deixar a marinar, umas daqui, outras dacolá, umas no curto, outras no longo-prazo, enfim, todas juntas, estas 33 medidas, diga 33, porão cobro aos problemas que assolam os trabalhadores e empresas e o governo compromete-se a tudo fazer para que assim aconteça, muito obrigado, não responderei a qualquer pergunta, muito obrigado, com licença.
E enfia-se carro ministerial adentro, tapa-se de vidros fumados, ficam na retina os estofos em pele entrevistos antes que o segurança de auricular calafetasse a porta,
resta o reflexo das câmeras na carroçaria preto espelhado, e lá vai o motor roncando prestável, batedores à frente e atrás que o trânsito a esta hora é um caos, e siga para a moradia V-não-sei-quantos em condomínio fechado de porteiro enfarpelado à porta, que isto o ministro já não pode dos pés, tem de ir para a banheira hidromassajar-se com vista a retemperar forças para o combate político,
Ai que isto é muito cansativo, as pessoas nem fazem ideia, mas amo muito o meu país e o continuarei servindo com lealdade e sentido de Estado, na medida em que as forças mo permitirem ou até que vague para mim um poleiro mais alto, o que acontecer primeiro, amén.
.
À mesa, o som é de talheres e mastigações.
Marido,
mulher,
filho
e filha jantam logo abaixo do altar onde jaz o televisor,
suprema via divina,
fonte inesgotável de sermões e missas,
magnética abóbada de estrelas
e alienação.
Acabou a família de ouvir o ministro prometer medidas, 33, uma velinha de esperança que lhes acenderam, e eles gostaram,
À falta de melhor,
dir-nos-iam sacudindo os ombros acaso se importassem com o tom irónico com que classificámos a reacção.
(...)

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