Eu devia era ter apanhado desta omicron

Eu devia era ter apanhado desta omicron. A S. disse isto, sem tirar nem pôr: eu devia era ter apanhado desta omicron. Eu de início nem percebi. Mas, passado um bocado, aquilo caiu-me: mas como assim, devia era ter apanhado desta? Perguntei-lhe mesmo: mas olha lá, que conversa é essa do ‘devia era ter apanhado desta’? Eu nem queria acreditar. Ao que ela se vira pra mim e me diz: então, apanhei da outra e agora ‘tou sujeita a apanhar desta, e diz que esta é muito mais leve. E eu: mas tu passastes mal co’a outra, por acaso? Mas nisto entrou uma cliente e a conversa ficou-se por ali. Mas ‘tás a ver como as pessoas são? Porque ela andou o tempo todo roídinha de não ficar em teletrabalho, porque “toda a gente está menos nós” e renhonhó e renhonhó, e ela fartinha de saber que nós nunca poderíamos ir para teletrabalho, mas mesmo assim andou nisto este tempo todo. E tanto andou que acabou por apanhar e ficar uns dias em casa. Ela quando voltou ainda ‘tive vai-não-vai para lhe dizer que ela devia era ter apanhado uma das fortes, que era pa’aprender, mas calei-me e não lhe disse nada. Mas agora estava-me nisto do “eu devia era apanhar da nova variante”. Francamente. E tu sabes bem que ela sempre foi toda picuínhas com isto dos álcool-geles e das máscaras e dos auto-testes e do raio que ma parta, que ela até as compras desinfectava quando chegava a casa, ficava que tempos naquilo, a desinfectar uma por uma. Está tudo doido. E eu que aqui há dias comentei já não sei o quê com ela, e eu nem me referia ao covi, eu até queria dizer outra coisa, mas ela lá percebeu que eu disse que isto não matava ninguém e então desata-me a contar dum caso que se passou com uma pessoa amiga, ou com uns amigos duma pessoa amiga, dum que testou positivo e estava assintomático, na boa, mas que ao quarto dia vão dar com ele meio tan-tan, não dizia coisa com coisa, e que o levaram pr’o hospital e agora lá está, em coma e ventilado, e um tipo que era saudável, que corria e tinha muitos cuidados com a alimentação, e foi tudo do covi. Eu nem lhe disse uma nem duas, mas realmente está-me sempre com estas histórias, estes casos de coisas sérias, eu já nem digo nada, vai corrida a “pois” e “sim” e prontos, que eu já não a posso ouvir. Eu só me pergunto é pr’a que é que é esta preocupação toda de mostrar que isto é a sério. Mas alguém diz o contrário? É que, porra, morrem pessoas todos os dias de cancros e de pomonias e doutras doenças. Mas dessas as pessoas não falam, essas não interessam, é tudo covi, covi, covi. Não se aguenta, pá, porra. Ainda aqui há dias, estava cá fora ao solinho a fumar o meu cigarrinho e veio-me uma velha que lá costuma ir perguntar-me se eu não tinha reparado que a não sei quantas tinha entrado sem a máscara. Eu ainda estive pra lhe dizer: mas ó minha senhora, está-me a ver com cara de polícia?, mas cala-te boca, disse-lhe “sim”, “pois”, e ela ali esteve renhonhó, renhonhó, pardais ao ninho, armada em pidezinha. Esta gente já se esqueceu de como era antes do 25 d’Abril, só pode. Isto, sinceramente, nem te digo nem te conto. É isso e a S. andar sempre a dizer que não vê a mãe há dois anos. Não a vê porque não quer, mas que é isto? Então não pode ir ver a velhota? Leva a máscara e tem mais cuidados. Mas pode ir vê-la. Era o que mais faltava. Ela não quer é ir visitar a velha que eu bem sei. Mas as pessoas é tudo assim, o covi dá pra tudo, o covi tem as costas muita largas. É uma pouca-vergonha.

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