As pretas do meu trabalho

Gosto de ouvir as pretas do meu trabalho. Gosto de observá-las a comer, de fixar as suas bocas carnudas a mastigar. Gosto de ver o que comem, de lhes captar a destreza displicente com que descascam e talham as maçãs. Gosto de lhes ouvir a cadência martelada e áspera das sílabas e de me espantar com o descaramento com que dizem foda ou paxaxa. De como, sem interrupção, conversam acerca de assuntos graves com uma simplicidade que fica a léguas da ignorância. Admiro-lhes a sensibilidade. Julgo-a provinda de vivências reais e não de leituras ou catequismos ocos. Gosto particularmente de observar como interpretam o ser mulher, de como corporizam essa visão. De presumir-lhes idades, de, nesse jogo mental, reparar como todas têm a mesma idade, de compreender que, ao fim e ao cabo, nenhuma tem idade, as de traços velhos que gargalham com gosto, as de aparência jovem sem impaciências ou arrogâncias. Gosto como usufruem daquele tempo de refeição, de como parecem capazes de repousar naquele período breve, de como o fazem maior, e do escárnio que destinam ao trabalho, o já cumprido e o que o resto do dia lhes reserva. Aprendo muito com as pretas do meu trabalho.

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