Uma mão cheia ou Uma estalada

1) De acordo com os meios de comunicação, estruturas do PS organizaram e custearam romarias de idosos de Cabeceiras de Basto, Famalicão e Alandroal com a capital como destino. Sob a capa de excursões domingueiras por Mafra e Fátima, e sem disso terem conhecimento, estas pessoas foram transportadas até Lisboa para fazer número nas comemorações da vitória eleitoral de António Costa nas intercalares alfacinhas.
No último debate da nação, na AR, Ana Drago denunciou esta situação em tom de protesto. Tentarei agora reproduzir da forma mais fidedigna e rigorosa o que se disse a esse propósito:
Ana Drago: (...) e a fim de terem mais gente nas ruas após os resultados das intercalares lisboetas, os responsáveis do PS trouxeram gente do Alandroal, Famalicão e Cabeceiras de Baixo, o que...
Bancada do PS, em coro, entre gargalhadas e apupos: De Baixo! De Baixo! De Basto, senhora deputada, de Basto...!
Ana Drago: Sim, Cabeceiras de Basto. De qualquer modo, ...

A partir daqui, a participação por si só diminuta desta deputada teve como som de fundo um burburinho desconcertante.
Enfim, um episódio caricato e sintomático.
Doutro ponto de vista, o que os senhores deputados da bancada do PS não se preocuparam, sequer, em desmentir, mais preocupados em manter o registo reles e ignóbil da política parlamentar, em muito se assemelha, como sublinhou a NS´, aos transportes de camponeses organizados pela União Nacional e pela Legião Portuguesa: para aplaudir Salazar.
É de assinalar que o PS tem maioria absoluta, bastando, portanto, o voto da sua bancada para aprovar uma qualquer proposta, independentemente do voto contrário das restantes; que um cidadão que, fazendo uso do seu direito de presença na AR, se pronunciar de algum modo durante a sessão, estará, diz a lei, a cometer um crime; e que este caso foi, algo incompreensivelmente, ou nem tanto, pouco noticiado nos meios de comunicação.

2) No seguimento duma ordem dum juíz espanhol, todas as cópias da última edição da revista satírica El Jueves devem ser confiscadas. A judiciosa ordem incluiu a recolha do molde original do cartoon em Madrid e Barcelona. Esta decisão obriga, ainda, o director da revista a identificar os autores do desenho. Esses senhores terão violado dois artigos do Código Penal, o que poderá dar lugar a penas de até dois anos de prisão.
O juíz considerou que a caricatura, onde aparecem Felipe de Bourbon e Leticia Ortiz envolvidos num acto sexual de penetração vaginal (mais especificamente, à canzana), é “claramente denigridora e objectivamente infame”, como cita o JN. Esta caricatura levava como título “2.500 euros por filho”, em referência à política de natalidade do país de nuestros hermanos, e, na vinheta, dizia o príncipe: “Já imaginaste se ficasses grávida? Isso seria o mais próximo de trabalhar que fiz em toda a minha vida”.
Dizer ainda que a Coroa espanhola fez saber que não pediu nem estava, sequer, a par da ordem e que a Federação espanhola de Humoristas entendeu que a revista “exagerou” e que a liberdade de imprensa “deve ter limites” (recorrendo novamente às citações do JN).
Será importante, parece-me, relembrar toda a polémica que se gerou à volta daquelas que ficaram conhecidas como as «caricaturas de Maomé», nomeadamente quanto às posições de defesa total da liberdade de imprensa e expressão por parte dos países europeus, sob pena de vir abaixo a insubstituível e irrepreensível instituição democrática. Naturalmente que a tudo isso não foi alheia a reacção do amiúde chamado «mundo islâmico» ao cartoon, trazida até nós por imagens de veracidade duvidosa de manifestações de violência junto de embaixadas estrangeiras e outros locais, e que acabaram por, em certa medida, mandar mais uma acha para a fogueira da guerra entre os dois mundos - o nosso, civilizado, e o deles, fanático - uma amálgama perigosa que se mistura, para piorar, com o inventado «terrorismo internacional».
Felizmente, os transparentes governos democráticos europeus vão dando mostras de como a liberdade é imprescendível nas sociedades modernas e industrializadas.

3) O Governo e o Ministério da Educação arranjaram um grupo de dez miúdos para se fingirem de alunos durante a apresentação do Plano Tecnológico da Educação, numa escola algures em Lisboa. Não faltaram as televisões.
Cada jovem recebeu trinta euros pela performance, que durou uma manhã. A comunicação social é omissa, no entanto, quanto à forma de pagamento, isto é, se terá sido através de recibos verdes ou em dinheiro vivo, por debaixo da mesa ou por detrás das máquinas de filmar, que, aliás, ressalve-se, porventura notassem só haver área física suficiente para o pagamento do biscate em frentes delas, se desligariam sem hesitação ou delongas que pudessem ser interpretadas como subversivas ou, estivesse o botão encravado, por alguma infelicidade improvável e pouco comum em aparelhos electrónicos, que, todos sabemos, são praticamente infalíveis, fechariam o plano nalguma cara bonita que por ali andasse à deriva, o que, é sabido, calha e fica bem em qualquer peça ou directo telejornalistico.
Bom, não restam dúvidas é sobre de que bolso saiu aquele dinheiro. Mas, em abono da verdade, é preciso dizer que, como muito bem fez ver a nossa ministra da Educação, no meio dum investimento que ultrapassa os 400 milhões de euros, o que são 300 euritos? Vá, deixemo-nos de melindrices.
É preciso ressalvar que qualquer analogia entre o que aqui aconteceu e o que era feito durante o antigo regime, nomeadamente sobre o recurso a crianças para montar um cenário político favorável ao mandante à época, devidamente difundida pelos media da altura e com conivência e cumplicidade dos vários agentes envolvidos na encenação, é coisa que se deve, racionalmente, descartar. Estes senhores de agora não exploram os pobres gaiatos como no tempo do Estado Novo, que nem dez tostões embolsavam pelo frete. Estes senhores de agora proporcionam às criancinhas, isso sim, uma hipótese de ganharem experiência, currículo, e, mais importante ainda, de trabalharem e ganharem honradamente o seu sustento, e, assim, aprenderem uma importante lição: que na vida é preciso fazer certos sacrifícios para ter o pão na mesa, ou, melhor: que, ao longo da vida, se espera deles que sacrifiquem certos direitos que, afinal de contas, nem lhes põem o pão na mesa.
Além disso, antigamente era a perversa Mocidade Portuguesa que “arrebanhava”, para usar as palavras de Zita Seabra, as crianças; hoje é a prestigiada NBP Casting que “recruta”, para usar uma palavra que sublinhe simultaneamente o critério rigoroso e credível destes processos e a propriedade do autor para discorrer sobre estes assuntos.
Ah, o professor que arranjaram para a dramatização é um funcionário do ministério. E é assim. Já viram este tempo? Que Verão de merda!

4) No tempo em que macacos e homens só se distinguiam pela quantidade e distribuição das pilosidades corporais, um professor, há 19 anos da DREN, disse que Somos governados por uma cambada de vigaristas e o chefe deles todos é um filho da puta, tudo isto de acordo com a boa-fé dos bufos que testemunharam o acto pérfido e demoníaco, que surpreenderam o criminoso em flagrante, que pegaram o pulha com a boca no trombone, que se sentiram, no fundo, também ofendidos, tal é, notem bem, a dedicação ao seu líder, cuja liderança está legitimada pelas urnas e pela superioridade da sua pessoa. Tudo isto com um fundo de talheres e pratos a bater, burburinho típico de um restaurante e guinchos de macacos excitados.
Arriscando, em nome dos superiores interesses da pátria, uma paragem de digestão, os heróicos chibos cumpriram religiosamente o seu ditoso papel: ao tomar conhecimento de semelhante barbárie, a doutora Margarida Moreira tratou de pôr em andamento as diligências aplicáveis a este tipo de situação, todas elas, notem bem, consagradas na iluminada Lei portuguesa, uma das melhores do mundo, como amiúde se ouve dizer. Tudo isto num ambiente marcado por um pivete hediondo, a podre, a esgotos, que agoniava os macacos que ali já se coibiam de guinchar a seu bel-prazer.
Enfim, todos devem conhecer os desenvolvimentos desta estória, incluindo que o processo que foi levantado contra o professor desordeiro foi mandado arquivar pela sensata ministra. Afinal de contas, como fez notar um membro da comissão política do PCP, a ideia que interessava passar já o tinha sido: “dar um sinal aos trabalhadores da administração pública [sobre o que pode acontecer a quem der opiniões sobre o Governo]”. E tudo isto à vista de milhões de macacos passivos e despreocupados.

5) O histórico Manuel Alegre escreveu um artigo “contra o medo, pela liberdade”. Porque não podia ficar calado, porque cria que a conjuntura actual propicia “comportamentos com raízes profundas na nossa história, desde os esbirros do Santo Ofício até aos bufos da PIDE”, porque vê que o medo (“De quem e de quê?”, pergunta o senhor Manuel) é coisa do presente, palpável inclusivamente no seio do seu partido, o do Governo, o do socialismo libertador, o da revolução democrática.
Inesperado, meio vago, potencialmente polémico, potencialmente marcante, na verdade, este artigo terá sido, tão somente, bom para as vendas daquele número do PÚBLICO. Efectivamente, poucas ondas levantou, baixo impacte mediático teve – especialmente no bom sentido.
O público não lhe ligou patavina, a discussão não se gerou abaixo das esferas dos pretensos analistas e politólogos. Não que isso alguma vez tenha, de facto, acontecido! Mas não deixa de ser assinalável. E, sobretudo, preocupante.
Mas, enfim, foi também azar do senhor Alegre, que viu o seu artigo publicado nos mesmos dias em que se cumpria a transferência do Simão para um clube da capital espanhola. Os mais atentos verão o dedo maquiavélico dos comunistas nesta convergência de datas.

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