«Trainee de produção»

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"Exmos. (as) Senhores (as),
Após ter lido por um par de vezes o V. anúncio («.Torke recruta trainee de produção», publicado no site www.cargadetrabalhos.net) e de ter debatido junto dos meus o objecto visível e o objecto perceptível do mesmo, bem como o génio que se lhe nota estar por detrás de cada caracterezinho, decidi-me a contactar-vos, ainda que o Asco e a humana Preguiça me tenham assediado para que o não fizesse. Quiçá, dir-me-ão Vocelências, assim o queiram, está claro, o Bom-Senso, esse ilustre desconhecido, me pudesse ele também ter evitado uma carga de trabalhos, bastava para tal que me entorpecesse um pouco mais a mente e me bloqueasse este intuito.
Dirijo-me à V. empresa e a propósito deste V. anúncio, mas poderia muito bem fazê-lo para e acerca doutros quaisquer empregadores capitalistas de semelhante calibre. E, ainda que o faça de jeito atabalhoado e, até pelo tom, despretensioso em relação a qualquer tipo de reciprocidade, o assunto é sério - aliás muito sério.
Senão vejamos: Suas Senhorias, sabidos (
sabidos) da presente situação do mercado de trabalho, do brutal desiquilíbrio entre procura e oferta, da concertada descida das condições de trabalho oferecidas quanto a remunerações, horários e formas de contratação, da impunidade com que tudo isso e muito mais se concretiza, entre outras coisas - pedem o quê em troca de quê?
Eu lhes digo: muito tempo, muita energia, inteligência q.b. e muito boa-vontade em troca de um estágiozito de 3 meses a receber 150€ mensais! E ainda têm a lata de falar que essa porcaria é para pessoas que queiram "construir projectos" (quais?) e de rematar com um "em suma, se queres apenas um emprego, não respondas a este anúncio"!
Dizer-vos para terem vergonha na cara é inútil (bem como, de resto, tudo o mais): Suas Sumidades não têm cara, dispensando-se, assim, como bem notou Steinbeck, de seguirem qualquer tipo de ética ou moral. Aliás, pensando melhor, V. encarnam, isso sim, a ética capitalista de Franklin e seus descendentes, tendo o enriquecimento como um fim, reflexo evidente de deficiência intelectual aguda.
Enfim, queria apenas deixar-vos uns apontamentos do meu desagrado, uma nota de desacordo e em tom de contraditório, no hard feelings, mas eis-me azedado, eriçado, ofensivo, um «bom selvagem», no fundo (desculpabilizo-me assim de qualquer erro de mensagem ou falha emocional), rapaz novo e, está fácil de ver, sensível a estas questões, não me fossem elas ferro em brasa nas costas das atadas mãos.
Escusado será dizer que não tenho intenção de me candidatar à dita «oportunidade de trabalho».
Com o devido respeito, sou, sempre Vosso,
André Campos."


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