José tem dois euros e qualquer coisa no bolso. Traz da véspera um plano. De manhã, bem cedo, passo na praça a comprar fruta. Acordara orgulhoso da sua resolução. A ver se começo a comer mais frutinha, diz para consigo num alento matinal vigoroso, à medida que percorre as ruas de luz e calor da sua imaginação até ao seu café predilecto. Sentado, já com a bica a fumegar à sua frente, mira distraidamente a montra dos bolos. Vacila. De súbito, José fica suspenso numa imagem, numa memória: o apelo torturante de todas as montras de bolos de todas as pastelarias que cruzara desde que saíra de casa e que agora o seu subconsciente, sem misericórdia, derrama sobre os seus sentidos de forma irresistivelmente palpável. José hesita um momento mais. Não, não posso, senão tenho de ir levantar dinheiro para a fruta e esses 10€ voam-me que é um instante e como isto está não pode ser. As ruas da sua imaginação são violentamente tomadas por uma bruma espessa e gélida. A bica deixa-lhe um travo amargo no pensamento. José afunda-se num mar negro de tristeza e revolta, cheio de pena de si mesmo: um pobre coitado colocado perante o dilema psicofinanceiro - o quilograma de clementinas ou a bola-de-berlim?
Os dois minutos seguintes encontrá-lo-ão a amaldiçoar a meia-voz "os cabrões da troika e do Governo", os dentes cravados com gula na carne suculenta e açucarada da bola-com-creme.

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