Rejeito a guerra. É empresa necessariamente temporária e não faz sentido construir algo senão para que dure para sempre. Falam-me de um homem que morreu no dia 23 de setembro de 1938, às quatro horas da madrugada, vésperas da Segunda Guerra Mundial. Morreu após um longo coma, os últimos anos a talhar chagas sangrentas nas nádegas à força do atrito com a maca, seu exosqueleto, sua segunda coluna vertebral (a válida), onde jazia imóvel e inútil desde 1917, mercê de um obus demasiado pesado e demasiado inevitável. “Com ideias como as tuas, para que lutaste?”, perguntaram-lhe, certa vez. E ele respondeu: “Para que seja a última guerra.” E foi. O preço a pagar aceitou-o no dia em que ouviu, através da janela, os gritos dos que sobreviveram. “Viva a Paz!” Para sempre. Negou a guerra. Negou-lhe a substância. Construiu, sobre ela, algo eterno. Morreu a tempo de morrer em paz consigo.
Algo de errado se passa.
Algo de errado se passa. (O quê, em rigor – de tanta coisa – nem sei bem. Mas) Digo-o com toda a sinceridade e determinação, com um arrufado sentimento de missão à mistura, como se dependesse unicamente de mim, num fardo hercúleo sobre os meus inexperientes ombros, todo o futuro da nação portuguesa: algo de errado se passa! Tenho que denunciar este crime hediondo. Tenho que trazer luz a esta sombria hecatombe, repetidamente dissimulada sob os focos de Suas Senhorias os estúdios televisivos, sob as tribunas de Suas Sumidades os nossos representantes, sob as indecentes camadas de pó-de-arroz de Suas Excelências as nossas vedetas! Ou muito me engano, ou todo este meu apreciável esforço já vem fora de tempo. Ou muito me engano, ou já nos encontramos afundados por completo no peganhento lamaçal da nossa corrupta e bafienta sociedade. Ou muito me engano, ou já é tarde de mais! Oh! e a virulenta censura a que serei sujeito e a perseguição mortal em que me verei protagonista, e o ataque rancor...