Negacionismo invertido

Ouvi na rádio à hora de almoço: Jens Spahn, Ministro da Saúde alemão. disse que, nos próximos meses, os alemães estarão "vacinados, curados ou mortos".


É uma forma curiosa de pôr as coisas. A premissa subjacente a esta extraordinária afirmação é muito simples: desde que estejam vivos, os alemães ficarão doentes com COVID-19. O resto define-se a partir dessas duas traves-mestras (Vida & COVID-19) e restam três vias, que, supõe-se, se excluem mutuamente: ou estão vacinados (e vivem), ou estão curados (e sobreviveram), ou estão mortos (e é bem feita).

Há certamente muito mérito nesta informação - porque é de uma «informação» que se trata (obrigado, Jens) e não de uma «opinião» ou «laracha» (haja respeito, o homem, além de ministro, é alemão). E mais que mérito, há rigor, há benefício, há mesmo muito boa gente a quem isto sobremaneira animará. Desde logo, os mercados: ninguém gosta mais de previsibilidade (e previsibilidade maquiavélica, ainda por cima) do que as agências de rating, as bolsas de valores e toda aquela malta da Alta Finança. Também os media: ninguém gosta mais de sound bytes (e sound bytes catastrofistas, ainda por cima) do que as televisões e as redes sociais. Finalmente, a grei: ninguém gosta mais de ser infantilizado (e infantilizado à bruta, ainda por cima) do que a massa anónima de eleitores-contribuintes.

Quis, ainda assim, afastar qualquer sombra de dúvida e fui ver alguns números.
A actual taxa de vacinação alemã: praticamente 70%, ou 58+ milhões de pessoas vacinadas (fonte).
E os números globais da crise pandémica alemã (fonte):



E lá estava ela, a verdade cristalina dos números a suportar, a mãos ambas, a informação categórica de Herr Jens, que, dúvidas houvesse, é um primor de equilíbrio e proporção.
Bem-haja, Jens.


O «negacionismo» (expressão abominável, diga-se de passagem) é um epifenómeno bizarro, perturbador, preocupante.

Mas o seu avesso, como baptizá-lo? afirmacionismo é demasiado atabalhoado, positivismo já remete a outra corrente estética e filosófica (que, de resto, tem o seu lugar no que temos vivido, em especial na relação com a Ciência), alarmismo fica aquém e catastrofismo não dialoga claramente com «negacionismo» e por isso perde-se a ideia - mas dizia, o seu avesso - chamemos-lhe negacionismo invertido - é, em doses pelo menos iguais, bizarro, perturbador, preocupante.
E digo "pelo menos iguais" porque tem, desde logo, um quadro de agravantes: emana directamente do statu quo (e, portanto, controla os canais mediáticos de referência e a narrativa dominante), apresenta-se como científico ou de base científica (quando é, quase sempre, pseudo-ciência) e parte daqueles, ou da órbita daqueles, que efectivamente influenciam e ditam as decisões político-sanitárias.

Assistimos a uma discriminação crescente e a todos os níveis fascizante dos ditos «não-vacinados», uma discriminação cega que ignora olimpicamente os motivos particulares de cada uma das pessoas que acabou por não se vacinar e que condiciona objectivamente alguns dos direitos mais básicos de cidadania, uma discriminação que, discriminação sendo, segrega e divide, uma discriminação que não tem (porque não pode ter) qualquer suporte médico-científico, uma discriminação que é, além de um sintoma alarmante de uma clara tendência político-mediática, um símbolo da absoluta loucura que têm sido os últimos 20 meses.

Vacinados ou mortos. Síntese de uma ideologia.

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