Jonas Brothers, Breed e Felicidade

Ligam-me para mais uma entrevista de emprego. "- Eu dou-lhe a nossa morada. Tem onde apontar?" "- Só dois segundinhos." Falta-me caneta. Vou buscar uma ao quarto da minha irmã. "- Está? Pode dizer." Desligo. Tenho de ir fazer a barba e escolher uma camisa. A caminho do meu quarto, passo novamente pelo da minha irmã. É um templo de adolescente. À falta talvez de talha dourada ou mármore branco, impera o poster A3: na porta de entrada (frente e verso), nas portas do armário (idem), nas paredes, na estante. A preferência dela é clara: vejo repetidas quase sempre as mesmas três caras. Jonas Brothers. Subo ao meu quarto e lembro-me dos jonas brothers da minha adolescência (mais coisa menos coisa). Também eram três, também tinham uma banda, também eram norte-americanos. Reconheço, contudo, que, entre uns e outros, existam uma ou duas diferenças...

Devo dizer que me faz espécie esta nova geração de ídolos musicais (e não só). Produtos de um Mundo Disney, são... fofinhos. E muito. Tão fofinhos, aliás, que não sei onde iremos parar. Estes heróis não são maus, não partem tudo, não gritam a sua revolta, não se suicidam. Ao invés, esticam o cabelo (são rapazes), estão sempre limpinhos, são educados, são bons samaritanos. É esquisito.

As leituras desta mudança de paradigma (que o exemplo Jonas Brothers vs. Nirvana apenas pretende ilustrar) são muitas. Eis uma: os Jonas Brothers são uma das caras do Novo Mundo da Felicidade. Neste Novo Mundo, a melancolia e a revolta são desaconselhadas (num tom paternalisticamente autoritário) e a infelicidade só significa uma coisa: culpa própria. Se estás triste, então algo dentro de ti está a bloquear a tua felicidade, a qual depende exclusivamente de ti.

O próprio discurso político (também em Portugal) prega esse sermão, alimentando o sub-consciente das massas com um medo supersticioso de que, se a Crise não for enfrentada com "confiança e optimismo" (as palavras que os assessores do Sócrates mais lhe metem na boca), então estamos (estão!) perdidos para toda a Eternidade. Como em tantas outras coisas, importa gerar uma relação maniqueísta: quem não é "optimista" é "bota-abaixo".

Claro que a vida do homem-médio não está para felicidades. Sem alternativa à luta diária pela sobrevivência (sem alternativa a uma sub-vivência) num mercado de trabalho precário, selvaticamente competitivo e cada vez mais absorvente, estupidamente encurralado num labirinto de dívidas em nome de nada, dormitando em zonas urbanas onde o trânsito automóvel é caótico e as habitações são uma anedota de arquitectos maquievélicos, entre outras coisas, o Zé Ninguém não tem motivos para ver o Presente & Futuro pelo bright-side. Pelo contrário: como cantava o Tom Jobim, "tristeza não tem fim, felicidade sim". Ironicamente, estas correntes de pensamento positivo, de auto-ajuda e de felicidade afundam ainda mais o indivíduo na sua tristeza. Ao falhanço da sua vida, o pobre junta-lhe a inevitável incapacidade de pintá-la de cor-de-rosa.

Nos idos dos anos noventa, a situação do homem-médio não era concerteza muito diferente da actual. Nem os gritos lancinantes e a poesia alucinada (e sub-valorizada) do Kurt desanuviavam as necessariamente perturbadas mentes dos jovens. Mas a pressão velada que o marquetingue da Felicidade exerce sobre todos nós (de diferentes maneiras) é, além de uma provação extra que se vem unir aos martírios quotidianos, uma Ilha dos Amores onde o sentido crítico e o escrutínio político e social se devassam num individualismo que só interessa aos mecanismos do Consumo e da manutenção da Ordem.

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