Do sexo

O dia amanheceu-se-lhe de bexiga por vazar. Estacou à borda da retrete: o olhar absorto perdido nas juntas dos azulejos azul-cueca. Por razão nenhuma deu uma guinada no olhar e então reparou numas farripas quase invisíveis de pintelhos muito familiares naufragadas à boca do ralo do polibã. Hoje é dia, terá pensado, enquanto sacudia os derradeiros pingos de mijo. Deu meia-volta e abriu a torneira do lavatório para lavar os dentes. Disse em voz alta para o espelho: Hoje é dia pá. Sabia os dias de cor e desde há muito que penugem aparada era igual a queca programada. Disse outra vez: Hoje é dia.
Repetidas tamanhas palavras, porém, deu-se conta de que a presença daqueles pêlos negros na superfície sudada do polibã o incomodava. E muito. Rapadas no banho matutino, aquelas migalhas capilares eram um post-it onde a receptividade carnal da fêmea se declarava alto e bom som, lembrança dolorosa de uma líbido domesticada que o azucrinava.
Indignou-se: Isto assim não pode ser pá (continuava a dirigir-se ao espelho), isto assim não pode ser. Decidiu-se a tomar uma posição de força. Esticou o indicador veementemente: Hoje não há cá fornicanço para ninguém. Repetiu (para ter a certeza?): Hoje não vai haver fornicanço, ai não vai não. Tornou a repetir a resolução ainda uma vintena de vezes: por cima da torrada e do café com leite, por baixo do chuveiro, por dentro das calças, por fora da porta da rua. Chegado ao carro, porém, caiu em si (terá sido o baque da porta? a sensação de cofre que transmite?). E, aflito com a aflição reflectida no retrovisor interior, ganiu: Que desculpa vou arranjar?

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