A partir de certa idade, que não sou capaz de precisar, passei a acordar todos os dias com o suicídio à cabeceira. Nos primeiros tempos, não o nego, foi difícil. A primeira dessas manhãs foi com efeito dolorosa. Enfim, quiçá por humana fraqueza, decidi-me a adiar. Na segunda manhã, sendo o mesmo homem, novamente adiei. E assim sucessivamente. Desde então, todas as manhãs, umas mais ponderadas que outras, umas mais angustiantes que outras, decido-me a adiar uma vez mais o suicídio. As pessoas dizem-me que tenho pensamentos negros e que devia, isso sim, gozar a vida. E dizem-mo como se isto que faço não fosse uma claríssima declaração de vida, talvez a maior de todas. Anima-me um ponto, sobretudo: só estou vivo porque quero. A morte é uma decisão, um comportamento que depende da minha vontade. A vida não me pesa, uma vez que a morte não ma ensombra. Haverá atitude mais humana, estar pronto a pôr um ponto final na vida e, finalmente, decidir não o fazer, decidir viver? Se, por um lado, me...