A primeira vez. A hiper-conectividade pandémica

I 13 de Julho de 2021, terça-feira, aprox. 22h: assisti à primeira crítica aberta, cerrada, sem disclaimers, não a decisões isoladas ou estratégicas do Governo, da DGS ou dalgum responsável público, mas ao fundamento da crise pandémica: a cultura do Medo, a desproporção das medidas e seus perigos, o controlo da agenda governativa e mediática, a tunnel vision. Foi José Miguel Júdice, na SIC Notícias. Foi, bem entendido, a primeira a que eu assisti. Mas eu vejo muito pouca televisão.
Reparei que cometeu o mesmo erro que eu e fundou grandemente a argumentação em números. Mas, enfim, aquele cavalheiro é grisalho, usa três nomes como quem usa gravata (que também usa) e fala na televisão. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
Foram precisos dezasseis meses inteiros - mas aconteceu. Ouvi-o num misto de espanto e desilusão. Criticar abertamente o que se tem vivido (repito: não é dizer que esta ou aquela medida são tontas porque "vêm tarde" ou que "tem havido falhas na comunicação", é dizer que os últimos meses foram uma perfeita insanidade) - criticar isto abertamente, dizia, é inédito num mass media, tal a blindagem do unanimismo vigente. E, nesse plano, espanta.
Mas desilude, também, porque, porra, por que raio é que não houve antes maior reacção ao que fomos vivendo desde Março do ano passado? Os dados são hoje os mesmíssimos que eram então; e mais: os perigos residem nos princípios que animam a gestão pandémica e o circo mediático - e os princípios, os que aqui estão implicados, são imutáveis.

II A pandemia depende da hiper-conectividade. Depende do que ela tem de
  • centralização da atenção,
  • definição da agenda mediática,
  • massificação dos medos & desejos,
  • fragmentação do real e descontextualização intencional e conveniente dos acontecimentos.
A hiper-conectividade é um complexo, uma ordem de coisas, uma dinâmica sistémica: os seus efeitos são o produto da acção sistémica dos vários elementos que a constituem.
A pandemia depende da hiper-conectividade. Sem ela, a pandemia seria tão diferente que é rigoroso dizer-se que não existiria pandemia tal como a conhecemos. A hiper-conectividade tem face à actual pandemia um carácter ontológico.
Em termos efectivos: não estivéssemos todos tão hiper-conectados e esta difusão do invisível seria impossível. Os países sem televisão por cabo e wifi permanente não têm tanta pandemia (alerta negacionista).
Em termos afectivos: não estivéssemos todos tão desconectados pela hiper-conectividade e estoutra pandemia de antipatia não medraria: o espiar o outro, o culpar e estigmatizar o outro, o ter tanto medo do outro, o ser tão insensível e implacável com os problemas do outro, o castrar tanto o pensamento e o discurso do outro.

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