Movimento perpétuo

Quanta impotência! Esgotamo-nos em conversas de café e de jantar mais, ou menos, acesas, com maior ou menor grau de revolta, com fundamentação ou apenas com maledicência - que se vê de sobremaneira difundida, eventualmente liberada e valorizada de forma a controlar e manter os ditos (na perspectiva dalguns, ditosos) "brandos costumes" dos portugueses. Tantas são as falácias propagandeadas pelos nossos políticos, tal é a abrangência e a magnitude da corrupção e do nepotismo, tantos os princípios e comportamentos errados que todos temos; de tal modo que estaremos arredados dalgum dos vários caminhos positivos existentes, e com que ímpeto fatalista insistimos em fechar os olhos a esta situação - que impotência!, exacerbada pela popular desistência - ao ponto de ter cabimento fazer uma cortante pergunta retórica: achas que Portugal vai, algum dia, melhorar?
No âmbito governamental e de políticas de desenvolvimento, insiste-se em megalomanias da conveniência exclusiva dos megalómanos envolvidos, que é o mesmo que dizer o corpo político português - no caso, desde 1975, quase sem (boas) excepções - e os lobbies instalados. Ota, TGV, e outros que tais, vão enchendo as bocas de ministros e secretários de estado com mentiras e omissões e vaticínios cor-de-rosa, que, no ciclo normal das coisas, vão descambar em derrapagens multi-milionárias, mais impostos para os contribuintes e mais casas de férias e carros de luxo para os tais senhores de boca cheia e suas famílias e comparsas. Movimentos e petições de cidadãos e empresários desalinhados, como a criada por João Pereira da Rosa, caem invariavelmente em saco roto e nada muda. Lança-se a referendo uma questão suficientemente polémica e confusa e de pouca importância política, que se vem juntar ao futebol, às telenovelas e demais focos de distracção e embrutecimento popular, e nada muda como devia.
No âmbito populacional, assiste-se ao aumento dos apóstolos de uma ética importada dalgum compêndio de estupidez. Ainda aqui há dias assisti a um episódio sintomático dessa moral, num posto de atendimento da Segurança Social. Aconteceu que uma senhora que ali aguardava a sua vez mudou de ideias por algum motivo e decidiu sair. Mas, antes de o fazer, pegou na sua senha e entregou-a indiscriminadamente a uma outra senhora, mais velha, que lá estava sentada junto de outras duas utentes. Vendo isto, uma das tais utentes decidiu criticar negativamente o acto, dizendo que "Então a senhora chega cá depois de mim e assim passa-m´à frente! Não acho bem, não acho, não senhora!". Ainda a empertigada reclamante estava nisto quando um outro utente, de avançada idade, se levanta e, afirmando que "Tenho agora carro às 3h15", lhe entrega, por sua vez, a senha que tinha - que, por sinal, era uma das próximas senhas a ser chamada. Segundo a própria interpelada, que com isto cessou o protesto, de uma senha com o número 29 passou para uma com o 17 - na altura, estava para ser chamada a senha 14. Mesmo a calhar. Eis quando, assistindo a tudo isto, decide intervir uma mulher que se encontrava ali mais próxima de mim, que exclama sonoramente "Ora, então estava a reclamar com essa senhora aí ao pé de si e logo a seguir faz precisamente o mesmo! Você não tem é moral nenhuma!", ao que a "imoral" reage, indignada e com pompa "Ah!, então se todos fazem, por que é que eu não haveria de fazer o mesmo?!". "Lindo", pensei.
É este o nosso triste fado. Cabe-nos a nós, em certa medida, remediar a situação. Para o resto, que fique além do nosso alcance, resta-nos votar em consciência (que não é o mesmo que votar no menos mau) e esperar que "os lá de cima" da pirâmide fiquem, num toque de magia, inteligentes e, noutro, representem os nossos interesses e os do país, mais que os seus próprios e os dos seus partidozecos deploráveis.
Entretanto, até calha bem, que na quarta-feira às 19h45 dá o Chelsea na Sport TV. Com uma bejecazita e uns tramoços... maravilha!

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