O cartaz

O PNR é, ideologicamente falando, tão "de extrema" como o BE (por exemplo). Efectivamente, o BE (por exemplo) é bem mais moderado nas suas intervenções públicas que o partido liderado por Pinto Coelho. De qualquer modo, reconhecer assento parlamentar a (por exemplo) um partido cujo líder diz seguir a linha de Trotsky é como que o avesso da proibição da expressão pública de um outro que defende, numa linha talvez fascista (e portanto inconstitucional), o fim da imigração - ou seja, ainda que este desfazamento tenha lugar em diferentes escalas e contextos e por agentes distintos, é, analisado do ponto de vista dos órgãos decisores, uma clara incoerência. Nada de novo, com efeito.
É difícil estar de acordo com o cartaz afixado pelo PNR, sobretudo pela simplicidade da mensagem e da imagem e pela carga de preconceito porventura infundado em que parece basear-se. No entanto, a liberdade de expressão é, suposta ou propagandisticamente, um valor da sociedade democrática. Aliás, o próprio vereador responsável pela ordem de retirada do cartaz refere isso, colocando, no entanto, um limite a essa mesma liberdade. Nesta situação, bem como na da recente condenação de Mário Machado, subsiste a dúvida relativamente aos critérios que estão por detrás das decisões. Julgo que é ilógico conceber uma liberdade de expressão limitada.
É referido que a autarquia "não autorizou a mensagem xenófoba" registada no cartaz. A pergunta que se impõe é tão-só a seguinte: a CM de Lisboa deve ter o poder de autorizar mensagens e seus motes ou características?
A reacção do líder do PNR remete para a intenção de pensamento único desta acção. A discussão acerca da liberdade de expressão está recorrentemente inquinada precisamente por esse quase-facto. É essencial ter em conta que a formação da nossa opinião é desenvolvida num contexto social e civilizacional muito particular e de, aparentemente, epicentros variados, como que divididos em esferas de influência e proximidade e sujeitos a interesses de difícil compreensão. Assim, em geral, podemos observar um de dois erros de análise: ou se toma a visão da maioria circunstancial, da moda ou corrente dominante, da monocultura ou do pensamento único em questão, usando inclusive como argumento o número dessa visão; ou se assume, por rejeição, a atitude diametralmente oposta, invertendo o ponto de partida do desenvolvimento da opinião propriamente dita, tendo como base que as verdades publicadas são, isso sim, mentiras - por serem publicadas.
Este caso do cartaz do PNR e da ordem de retirada pela CM de Lisboa passará, como tudo parece passar, sem deixar marcas onde quer que seja. A não-inscrição que José Gil assinala é para aqui chamada. Exactamente por isso, a discussão não dará frutos e pouco mais ficaremos a saber e a sentir sobre o que se refere e relaciona com a liberdade de expressão e sua aplicação. Do que agora escrevo, nada fluirá e refluirá, num movimento de contra-argumentação e melhoramento, numa ordem de debate e conhecimento. A "liberdade de expressão", tal como tem vida na nossa sociedade (e nas restantes sociedades democráticas, europeias ou ocidentais), parece muitas vezes ser o fulcro do incentivo subtil e infalível ao seu oposto.

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