É prò nosso bem, está visto

"O aval", do blog «Arrastão: os suspeitos do costume».
.
Serei só eu, ou há qualquer coisa nisto dos 20.000.000.000€ que o Governo disponibiliza aos bancos que não cheira bem? À partida, a coisa parece simples, parece aliás clara como a água: para que os cidadãos não fiquem sem acesso aos créditos bancários e para que as poupanças familiares fiquem imunes a bancarrotas, põe-se de parte uma salvaguarda monetária a que os bancos, em caso de maior aperto, poderão recorrer. Mas, logo (ainda) à partida, surge uma série de dúvidas sobre os porquês e comos desta medida. Afinal de contas, este montante que o Governo destina aos bancos (e que é mais de 11% do PIB nacional) é proveniente dos descontos mensais dos contribuintes, essa canalha que justamente a banca muito alegremente espezinha diária e mensalmente - de resto, com a bênção do (s) Governo (s). Por outro lado, a discussão desta decisão centrou-se quase exclusivamente na necessidade de se disponibilizar uma verba; questões como a supervisão e controle da sua utilização, ou as obrigações dos bancos perante o Estado após o recurso a estes dinheiros, nunca foram muito debatidas (talvez que não seja suposto haver supervisão ou controle supra-banca; talvez que não seja suposto que os bancos tenham obrigações perante o Estado). Além disto, se há chance de reservar uma exorbitância destas no OE para 2009 com este fim, por que razão continuamos a ter hospitais e escolas miseráveis? Nesta linha, a rapidez histórica com que o PR promulgou a portaria que regulamenta a lei que estabelece esta possibilidade de crédito governamental faz todo o sentido: há coisas mais importantes que outras: e, na bancocracia em que vivemos, destinar uma reserva de capital para os BCP, BES ou CGD é prioritário; é, quiçá acima de tudo, indubitável.
Depois de devidamente ensaiados, os bancos vieram em coro informar o público que "admitem" recorrer aos 20 mil milhões. Dos breves comunicados, que muito agradaram ao ministro da tutela, o que mais me divertiu foi o da CGD. Reza assim a prosa do banco público:

"Com a recente publicação da Portaria 1219-A/2008, que regula as condições de concessão extraordinária de garantias pessoais do Estado a Instituições Financeiras sediadas em Portugal, a Caixa Geral de Depósitos poderá vir a equacionar, se as respectivas condições lhe forem favoráveis, realizar uma emissão obrigacionista garantida, contribuindo, desta forma, para a redinamização dos mercados"

O texto parece ir direitinho aos seus accionistas com aquele "se as respectivas condições lhe forem favoráveis" entre vírgulas, mas eis que, referindo-se a uma misteriosa "emissão obrigacionista garantida" (a parte do "garantida" não tem, evidentemente, mistério nenhum), o que serve, muito provavelmente, para lançar a confusão nos espíritos, a CGD fala numa sua contribuição para a "redinamização dos mercados", terminando assim em tom quase paternal. De qualquer modo, não deixa de ser um bocado confuso que a realização da tal emissão redinamizadora dos mercadores obrigue à equação da conveniência das respectivas condições; então a redinamização dos mercados não será sempre um fenómeno favorável à CGD?
Quer-me parecer que, ao contrário do que se tem dito, esta crise vem mostrar a invencível força do sistema financeiro capitalista. Onde alguns vêem ganância, irresponsabilidade e presunção, eu vejo, sem tirar nem pôr, ganância, irresponsabilidade e presunção. No entanto, duvido largamente que tudo isto venha tirar o sono aos capitalistas, aos banqueiros ou aos especuladores, ou sequer que venha provar que eles estavam errados nas suas conjecturas financeiras, teorias económicas e produtos de alto-risco. Isto ganha contornos de especial veracidade se deixarmos de dar um nome ao sistema financeiro mundial, se esquecermos os capitalismos (termo que até faz um bocado de espécie ao Durão Barroso, coitadinho), liberalismos e outros que tais. Verifiquemos, mais simplesmente, que os que ocupam os cadeirões pouco ou nada estão a ser afectados por esta conjuntura.
Quem sabe, até, se não sairão beneficiados dela.

Mensagens populares deste blogue

Algo de errado se passa.

Desencontro, ou Enquanto as ervilhas cozem

Os números COVID-19: ou latos em excesso, ou inconsistentes, ou pouco consolidados