Pê-ésse-dê

Há os que atribuem ao notabilíssimo Miguel Tavares a seguinte sentença, “o psd [Partido social democrata] é o partido mais português de Portugal”. Resta, em abono da verdade, saber com que exactidão é feita tal atribuição, isto no improvável caso de isso ainda contar nos dias que correm, todos eles rápidos, alarmantes e plásticos, não necessariamente por esta ordem. Mas para os que não identificaram o citado de imediato, de tão habituados à credível trindade do seu nome profissional, Sousa é o seu primeiro apelido público, isto é, Miguel é o nome próprio, Sousa e Tavares os apelidos, para que conste, herdados do pai. Assim sendo, sinto um quase irresistível apetecimento de registar umas notas sobre o mencionado grupo político, o que é, de todo o modo, o mais natural, pois se se deu o inusitado sucesso de uma pública figura com significativíssimo crédito popular, um opinion leader dos de maior peso, um comentador político dos de mais alto calibre, um analista, perito e especialista das mais variadas matérias, ter dito, do tal partido, que é, do universo partidário nacional, aquele que, pelas suas características gerais e peculariedades específicas, é “mais português”, perdoem-se-me as repetições gráficas e fónicas, foi com a melhor das intenções, é razão mais que suficiente para escrevinhar qualquer coisa, ou, melhor, para investigar de fugida a verdade que porventura estará a montante da referida asserção. Dizer que a pertinência do presente escrito em muito pouco fica abalada no caso de efectivamente não se confirmar a autoria do peso-pesado da opinião publicada atrás aludido.
Este epíteto de «mais português» de qualquer coisa dá azo a uma porrada de considerações, ora aviltantes, ora maquiavélicas, ora jocosas, como as que, está à vista, aqui se vão produzindo em directo, estivessemos nós a falar de televisão, ao improviso, estivessemos nós a tratar de rap, em cima do joelho, estivessemos nós a dizer de política parlamentar. Para o presente caso pouco importa a moldura, a fotografia é boa que chegue. Isto é, peço encarecidamente que, do que até aqui foi dito, fixassem tão-só a classificação alvitrada pelo filho da mui saudosa Sophia de Mello Breyner Andresen, ou por qualquer outra personagem opinante, paira sobre nós e este texto ainda a fulcral dúvida, em seguida repetido, falo do alvitre, para que fique cravado fundo na memória, “o psd é o partido mais português de Portugal”. Por falar em filho, é facto incontroverso que este gentleman, autor de “Sul”, “Equador”, “Rio das flores”, et caetera, cuspiu, vociferou ou rugiu entre dentes, está ainda por apurar qual a forma verbal mais adequada, um peçonhento, catártico ou abespinhado, aguardam-se os resultados dos inquéritos para que se possa escolher com segurança qual o adjectivo mais apropriado, “Filho da puta” em mensagem dirigida ao director do jornal Público a propósito da, como é costume, crítica negativa de Vasco Valente, Pulido de apelido, polido ou não na atitude, ainda está por se saber, é importante garantir por ora que não nos precipitemos, que não acusemos o homem do que quer que seja, até prova em contrário, o homem é polido até dizer chega.
Como todos sabemos de ginjeira, o mesmo acontece na Justiça, é lei que os arguidos são inocentes até que se demonstre por a+b que não é bem assim, que, sim, roubou, que, sim, matou, que, sim, raptou, e só aí soa o baque seco do emblemático martelinho do meritíssimo juíz, só então é ponto assente que o réu é legal e terminantemente culpado, nunca, por mais que se queira e tente, nunca antes. Note-se, no entanto, que a Justiça tem os seus limites, pobre coitada às vezes mal se aguenta de pé, dão-lhe uns achaques, uns suores frios, tremem-lhe as pernas que nem varas verdes, para exemplificar esta indecorosa fatalidade basta enumerar um par de casos, os quais, já que é pretensão minha falar do que acima tratei de dispersamente mencionar, podem muito bem ser os de Isaltino Morais e Valentim Loureiro, ex-laranjitas convertidos ao tão da moda independentismo em consequência indirecta de problemas judiciais e, já agora refira-se, à-vontade eleitoral quanto baste, populares a ponto de passarem bem sem máquina partidária à perna, ardis de Oeiras e Gondomar respectivamente, ambos carregadinhos de culpa até à pontinha espigada das respeitáveis crinas grisalhas, ambos ad eternum inocentes de todas as acusações, que o mal mesmo foi se terem concretizado, falo das acusações, mas podia, abdicando de ironias, falar dos seus nascimentos. Daqui em diante é certo que, das duas, uma, ou vem a absolvição ou vem a prescrição, não é preciso ser um nostradamus para pressagiar isto. É este o tecto de capacidade judicial que falava. E é de partir o coração.
Esta constituirá, aponte-se nos autos, actas e demais registos legais, a prova n.º 1 da acusação, que visa, diga-se por via de desconcentrações de leitura ou obscuridades de discurso, atestar a veracidade da frase a que já me referi, em termos inapropriados à luz do que se acaba de dizer, como sentença.
Mas começa a ser hora de eu me explicar. De solenemente declarar, dois pontos, Escrevo com base na perspectiva de que se o psd foi apontado pelo doutor Tavares, ou qualquer outra sumidade mediática, foi ou não foi, eis a questão, como sendo o “partido mais português de Portugal” terá sido por alguma boa razão, pois, ainda que o homem, ou o Homem, tenha muitos defeitos, o da burrice não é concerteza um deles, ou é, depende, e este juízo será, até ver, um dos mais fortes argumentos da facção que atribui ao senhor Tavares a frase, crente que está na veracidade da mesma. A razão boa poderá ter sido algo do tipo de, novamente dois pontos, O psd é um concentrado, ou um espelho, ou um digno representante, ou um fiel retrato, ou disto tudo um tanto, do Portugal político-partidário, ponto final parágrafo, Com a interessante peculariedade de que andam os seus militantes-praticantes, no geral, emperiquitados de fato e gravata, como, de resto, bons dê-érres que são, e com esta dos dê-érres presto singela homenagem ao José Cardoso Pires por ocasião dos dez anos da sua morte, ele que já foi quase meu vizinho, tivessemos nós dois vivido na mesma altura no mesmo sítio. E antes que me apontem o dedo por ter dalgum modo forçado este quase-tributo, pois seria facilmente dispensável, por inutilidade à inteligência da narrativa, achegar que é costume os senhores do psd andarem de fato e gravata, que é coisa do mais banal e, até certo ponto, expectável de pessoas de tal gabarito, posição e ocupação, eu faço questão de fazer notar que essa característica estética é, por móbiles que certamente mereceriam um aturado estudo à parte, amiúde exclusiva dos partidos do chamado Bloco central, ps, psd e cds-pp, ainda que deste que ficou para terceiro lugar se tenha quase instituído dizer que é de extrema, isto é, o acrescento do partido popular ao ditoso bloco é meu e por ele responderei se a isso me vir obrigado, juro dizer a verdade, só a verdade e nada mais que a verdade. É quando proferimos palavras tão pretensiosas que nos apercebemos do quão ocas podem ser, basta que o queiramos, os que as dizem e/ou os que as ouvem.
O motivo do presente amontoado de frases é, então, o de buscar verdade verdadeira nas palavras imputadas a Miguel Sousa Tavares, ou na interpretação que eu, quiçá abusivamente, vós mo confirmarão ou desmentirão se assim vos aprouver, fiz delas. Para tal, triei alguns sucedimentos do álbum de fotografias dos laranjas e arrebanhei uns quantos dados alegadamente paradigmáticos, criteriosamente seleccionados e dirigidos a homens e mulheres portugueses dos oito aos oitenta, desde que saibam ler ou tenham quem lhes faça esse jeitinho.
2) De maneira desavergonhadamente simplista, é curioso notar que o partido tem um percurso muito idêntico, cronologicamente paralelo até, às participações portuguesas no Festival da Eurovisão, posto que, do mesmo modo que tivemos a representar-nos, em tempos pretéritos, mais precisamente mil novecentos e oitenta, um José Cid, ora subavaliado, ora sobre-avaliado, sem meio termo, porém figura com décadas a fio de carreira, o que por alguma razão há-de suceder, o Partido social democrata teve, com as devidas salvaguardas, um Sá Carneiro, político do melhorzito que temos tido, trauma crónico dos laranjas, isto a acreditar nalguns cronistas, assassinado sem pundonor, ou, em calão alfacinha, à cara podre, e que, em virtude disso, goza desde há demasiado tempo do confortável acríticismo resultante da tradicional superstição de que não se deve falar mal dos mortos, não vá o diabo tecê-las, isto tudo mais especificamente desde o quarto dia de Dezembro do ano em que o natural da Chamusca incendiou a Europa da música. Ora, quase tal e qual, por estes dias temos tido, falo da Eurovisão, uma Sabrina, afilhada de um Emanuel, miserável representação musical, porém pitoresco e, arrisco dizer, fiel retrato do estado do nosso Estado, tal como, salvaguardando o necessário ao efeito, o psd tem presentemente um Luís Menezes, pretenso demagogo à antiga, autarca de Gaia, onde governa faz agora dez anos, terra tornada famosa por esse país fora por aquele popular trocadilho cacofónico, Vale mais uma rua do Porto que a Gaia [qu´agaia] toda. Ainda sobre o senhor doutor [xô dótor] Menezes, li aqui há dias que a parceira com quem ultimamente se tem dado a mostrar é pura, ou mera, como preferirem, jogada de bastidores, é estratégia de manipulação de imagem e da opinião pública, em linguajar modernaço diz-se spin, termo eufemístico, fino e ludibriador, ou seja, numa palavra, perfeito para os fins a que se propõe. O mais engraçado é que quem trouxe ao conhecimento público tal artimanha foi, quem melhor que ele, o próprio spin doctor do tal senhor [xô] Luís, Sua Senhoria Cunha Vaz, anão em tamanho, gigante em manha, tão inchado de orgulho que estava da sua criação, uma versão lusa do gálico casalinho Nicolas Sarkozy & Carla Bruni, o que vem no seguimento da ignóbil adoração tantas vezes protagonizada por figuras da chamada direita portuguesa pelo chefe máximo francês e que, aliás, será concretizada numa visita do secretário-geral do psd ao dito dirigente, agendada, salvo erro, para Março próximo.
A lógica de paridade impõe-se, se adicionei uma notazinha relativa a Sarkozy, por que não reservar uma a Bruni, é da mais elementar justiça, pois bem, aqui vai, “Sou uma domadora de homens”, palavras da dita-cuja, ponto final, paridade garantida.
Com a sua autorização, Meritíssimo, a prova n.º 2 da acusação, registe-se, se faz favor, reside no, se assim se pode dizer, conteúdo do precedente parágrafo, retirado ipsis verbis da mente do autor, as fontes que a alimentaram, à dita mente, não são para aqui chamadas, Objection, atira o advogado de defesa, Estamos em Portugal, pá, que conversa é essa de objection, andas é a ver muitos filmes americanos, além disso, isto é pior que tribunal marcial, a acusação acusa e a defesa defere, capice, diz autoritário o advogado de acusação, Capichei, capichei, Muito agradecido, agora bico calado e prossigamos, Coffee break, anuncia com um guincho a administrativa de serviço, aplausos do povo, Que sessão está a ser, hem, comenta-se à boca cheia na fila para a máquina do café.
3) O psd tem história, e tem-na antes sequer de se chamar psd, o que só se concretizou em mil novecentos e setenta e seis ou setenta e sete, por aí, no já defunto Hotel Estoril Sol. Balsemão, Carneiro e Mota, trio fundador, quais iluminados reis magos a trazer ouro, mirra e incenso ao recém-renascido Portugal, não foram no entanto ligeiros o suficiente na proclamação pública do nome Partido social democrata. Por aqueles dias imediatamente após o vinte cinco de Abril deu-se uma explosão de novos e tenros partidos e um houve que se reservou o nome Partido cristão social democrata, pcsd, ao que consta precisamente na véspera da fundação dos laranjinhas, fazia Maio seis dias. Registe-se, para que se saiba e se dê a saber, que a cor cor-de-laranja foi sugerida por uma secretária de Sá Carneiro por ser a da moda naqueles tempos e que, já agora aproveito, essa mesma cor apresenta, de acordo com o Sistema de cores aditivas rgb, red, green and blue, baseado na Teoria de visão tricromática de Young-Helmholtz e no Triângulo de cores de Maxwell, valores na ordem dos 255, 165 e 0 respectivamente, e talvez aí resida parte da razão dalguns estudos apontarem para a alta probabilidade de um recinto com ela pintado ou com ela decorado induzir um sentimento de euforia às massas nele presentes, o que, por sua vez, poderá ajudar a entender a importância dos congressos no passado e presente deste partido. Mas voltando uma vez mais ao nome do grupo, e por aqui se dá uma prova mais do que Saramago queria dizer quando escreveu numa sua obra que “Sempre haverá a questão dos nomes”, e uma prova mais de serem a Onomástica e ciências que tais tão pertinentes e ricas, e com este demasiadamente extenso aparte vejo-me obrigado a recomeçar a frase, Mas voltando uma vez mais ao nome do grupo, perante este inesperado óbice de já não poder usar o título que queria, o núcleo triangular optou por adoptar a designação Partido popular democrático, ppd, aventada por Ruben A, talvez o mais excêntrico dos escritores portugueses e tio de Miguel Sousa, o possível responsável pelo “mais português de Portugal”, como ainda se recordam. Diga-se de passagem que Ruben Andresen Leitão, nome civil, nunca aderiu ao bando que baptizou.
Como já aqui se disse, em mil novecentos e oitenta morre Francisco Sá Carneiro, cognominado pelos seus correlegionários como “o homem que vê mais longe”, talvez aqui se aplicasse o popular dito, Em terra de cegos quem tem olho é rei. Em virtude da morte de Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, mesmo sendo jornalista, ascendeu airosamente a primeiro-ministro, por aqui se vê como a conspurcação do jornalismo pela política e vice-versa não é de agora, é uma vergonha com precedentes. Sem mão na Aliança democrática, ad, produto matemático da conta de somar psd + cds + ppm, e substituído na regência do Expresso por um barbudo Marcelo Rebelo, Sousa de apelido, fica desorientado, falo do doutor Balsemão, e começa, como ele próprio dalguma maneira admitiu, aos murros na mesa. Como se isso não chegasse, o tal seu barbudo sucessor no jornal que ele próprio havia fundado em setenta e três atira-lhe que “está lelé da cuca”, duvido que haja melhor prova de que vem de há anos a retórica brilhante do professor Marcelo. Isto foi em oitenta e um. Quatro anos volvidos, o partido, por motivos vários, uns mais dramáticos que outros, reúne-se em congresso na Figueira para encontrar um novo leader. Perfilavam-se três favoritos ao dito congresso, mas eis que surge um outsider, como nos habituámos a ouvir na gíria futebolística, num Citroën bx com suspensão hidropneumática e quatro travões de disco assistidos a alta pressão, hoje nosso aprumado presidente máximo, hoje orgulhoso portador de uma dentadura branca como a cal, que, reza a lenda, arrebatou a assistência com um discurso e pêras e assim garantiu o disputado posto de presidente cor-de-laranja. A propósito, consta que o senhor Aníbal Cavaco vendeu ingratamente o valoroso bx por uma pechincha a um feirante de etnia cigana da Margem Sul, incônscio que deu nas vistas e singrou não pelo fremente discurso mas, isso sim, pela chegada no impressionante bólide, bólide o qual que se revestiu de especial relevância no assumir de uma posição forte pela Citroën no gigante grupo automóvel que responde pela graça de psa. Com ou sem bx, em verdade não sei, com, isso é certo, o apoio do Grupo da nova esperança, composto por Durão, Santana, Júdice e Marcelo, que torpe esperança esta, abraçou uma década de vacas gordas, ou, literalmente numa palavra, vacarronas. Em noventa e dois, de passagem pela Região autónoma da Madeira, Cavaco avisa o presidente do governo regional, “Jardim, queres dinheiro, vai ao Totta”, isto há palavras que valem mais que mil imagens. Em noventa e cinco, ano de buzinão na vinte cinco de Abril e ano seguinte ao término da produção do falado Citroën, Aníbal Cavaco Silva passou cavaco ao protesto e saltou de lá do alto onde mais ou menos tranquilamente repousava e o psd, acto contínuo, permutou de presidente. Fez-se um congresso, congressos é com eles, e o hoje chefe Menezes, de bigode e pêra, berrou e chorou no Coliseu lisboeta no meio duma azoada de apupos, assobios e urros, um fundo de súplicas “Camaradas calma calma camaradas calma”, pesquise-se o episódio no youtube. Quatro anos antes, Marcelo lançara-se ao lodaçal do Tejo na tola convicção de que tal parvoíce lhe daria alguma vantagem na guerra pela câmara da capital que então travava com Sampaio. Estava errado, o despautério não lhe deu para mais que uma crise virulenta e para exibir em público o seu vigoroso cabedal e os seus encaracolados pêlos do peito. Não ganhou, já se disse, a autarquia da capital, mas em noventa e seis substituiu Fernando Nogueira na presidência do partido, apesar de antes disso ter prometido que nunca o faria, “nem que Cristo descesse à terra”. Sabe-se hoje ser verdade que, aquando da tola jura, um seu amigo lhe disse, Não digas desta água nunca beberei que algum dia ainda te vai dar a sede, mas, está visto, Marcelo não lhe deu ouvidos, ou isso ou deu-se o milagre da cristianica descensão e ninguém deu conta. A presidência marcelista findou em noventa e nove, José Manuel Barroso subiu ao trono de líder dos sociais-democratas, cargo que equivale, nos nossos dias, falo do de secretário-geral do psd, ao título de “líder da oposição”, imprecisão gritante e, digo-o eu, propositadamente centralizadora, que é com estas pequenezas que se vai levando o povo. Serão dignos de registo, a propósito de Durão, três factos. A saber, primeiro facto, i, que o agora senhor [xô] presidente da Comissão europeia, ce conforme a sigla, foi considerado pelo World economic forum, em noventa e três, “political star”, uh yeah baby, e um dos “global leaders for tomorrow”. A acreditar nos blogues da altura, tais considerações ficaram a dever-se ao perfil de Barroso, testa em rampa, nariz longo e abatatado, prenúncio duma papada logo abaixo do queixo. Segundo facto, ii, o senhor José Maria Barroso, em discurso acalorado, no ano da graça de dois mil e dois, profere “Os senhores doutores deixaram Portugal de tanga, o país está de tanga”, confirmação das suas, aliás nunca postas em causa, capacidades visuais e semânticas. Last but not least, terceiro facto, iii, que, no mesmo ano em que ruma a este, para o centro nevrálgico da ce, José Manuel [Zé Manel] viu a querida esposa, Margarida Uva, a dedicar-lhe um poema de O´Neill, “Sigamos o cherne”, expondo assim o carinhoso tratamento que na intimidade lhe reservava, ou reserva ainda, não sabemos, nome de peixe teleósteo perciforme de água salgada, a ele, que tem cara de cu. É em noventa e nove que o publicitário da campanha laranja para as legislativas dá a saber que vai “vender o partido como venderia um champô ou um sabonete”, frase mil e uma vezes repetida e citada desde então, façam-se os elementares cálculos, esta é a milésima segunda vez, caso para dizer que lhe fugiu a boca para a verdade, porventura receoso da chegada do juízo final com o virar do milénio, não quis guardar aquele segredo, não queria levar aquele pecado mais para o Purgatório, por azar dele nada mudou e teve que se sujeitar às consequências do desbocamento, o que até se tornou fácil à luz da vitória conseguida de seguida. Já vamos chegando ao fim desta estouvada resenha histórica, cuja, convém relembrar, visa mostrar a qualidade de português do psd e, como todas as do seu género, termina naquilo que se considere actualidade, situação presente ou, falando mais simplesmente, hoje. Faltará apenas dizer que, como de certo ainda estará fresco na memória das Portuguesas e portugueses, note-se que aqui se aproveitou para reproduzir a introdução protocolar dos discursos e declarações políticos na qual se faz distinção de género, ainda que em português se utilize o masculino quando nos dirigimos a um grupo, por assim dizer, misto, e se dá inocente primazia aos eleitores do sexo feminino sem, obviamente, qualquer tipo de intuito oculto, mas dizia que está por referir apenas o governo trimestral de Santana, a fazer lembrar os tempos quentes e voláteis do Processo revolucionário em curso, vulgo prec [préque], por, ninguém me convence do contrário, acção conspiratória e de interesse partidário do então presidente da República portuguesa, Jorge Sampaio, o tal que fez do sebento banho de Marcelo uma tolice escusada.
Dois longos parágrafos, nove mil trezentos e sessenta e um caracteres que se traduzem em mil quinhentas e setenta e seis palavras, ou elas neles, ao longo de cento e doze linhas, isto já é mais subjectivo, depende da configuração da página, do tamanho e tipo da font, mas está visto que, apesar do esforço de síntese a coisa deu para o longo, e então exige um bocado de paciência aos leitores, exigência essa a que, nos tempos que dizemos serem nossos, ninguém se arrisca, sob pena de rotundo falhanço, este é, então, um texto de alto risco. Dois longos parágrafos que, a insistir na desajustada terminologia supra-adoptada, encarnam a prova n.º 3 da acusação.
4) E hoje, na situação presente, na actualidade, como é o psd, é o que devereis todos estar, em pulgas, perguntando. Pois, presto-me a responder, o psd é a concretização moderna duma facção política de, atenção agora, centro-direita, e é a tal ponto moderna que, no sítio oficial http://www.psd.pt/, há de tudo um pouco, é uma feira de vaidades, mas também um arquivo de glórias antigas, se de facto as têm, é um veículo da mensagem e do programa do partido, sejam eles quais forem, se é que o são realmente, mas também um local do mais saudável e puro entretenimento virtual. A provar o que acabo de dizer estão, na secção Jogos, o «Laranja man» e o «Orange destroyer» ou, ainda, os «Puzzle psd», estes últimos com dois níveis de dificuldade, rookie e pro, seja o jogador ainda pouco ou já muito permeável. É, enfim, a maravilha das chamadas Tecnologias de informação e comunicação, tic, título perverso e falsário, ainda estou à espera que me expliquem que raio de informação e comunicação é que estas tecnologias fomentam, Espera sentado, dir-me-á quem me quiser bem. Ainda navegando no psd.pt, é possível fazer o download, ou, em brasileiro, “baixar”, estrangeirismo aqui incluído por carência de palavra portuguesa menos ambígua que o comummente usado “sacar”, dos estatutos do partido em formato pdf, irra, que catrefada de siglas, onde se regista que o seu símbolo oficial consiste em, abre aspas, “[sic] Três setas, de cor preta, vermelha e branca, que representam os valores fundamentais da social democracia: a liberdade, a igualdade e a solidariedade”, fecha aspas, fim de politiquice.
Talvez seja desnecessário continuar a reservar um parágrafo alusivo ao imediatamente anterior a indicar o número da pretensa prova de acusação, ou lá isso que até aqui teimei em dizer, basta numerar cada novo parágrafo e pronto, fica claro, parece-me, Ai ai, meu filhinho, que isso que para aí escreveste não tem piléria nenhuma, Mas, avó, é só um passatempo, pense que me podia dar para pior, podia drogar-me, Ah lá isso tens a razão, benza-te deus que por aí não fostes tu, Mas ainda vou a tempo, a vida não são só dois dias como se diz, Ai credo, tu bate-me três vezes na madeira, Toc toc toc.
5) Mas não só. Onde está bem patente a portuguesice do psd é, pois claro, nos seus actuais membros, afiliados, militantes e comparsas. Tentarei, de seguida, comprovar isso, dando alguns exemplos. Primeiro exemplo, Virgílio Costa, deputado, bracarense de origem, este último dado pouco importa, foi só para encher a descrição, o que se segue já não, é importante e relevante, o senhor doutor tem ar grave, cara fechada, beiços curvados nas pontas, calvície venerável, pescoço flácido. Porquê falar dele em particular, perguntam-me vossemecês, Porque lembro-me de ter lido o ano passado uma notíciazita breve em que se dava a saber que o dito-cujo faltava bué da vezes às sessões parlamentares mas que justificava tudo com uns convenientes atestados médicos, que tinha os rendimentos penhorados pelo fisco na percentagem máxima que a lei permite por dívidas e que fazia três angustiantes anos desde a última vez que tinha feito uma mísera intervenção, respondo eu, Vejam bem que descaramento, comentam entre vós, Mas não é tudo, continuo eu, a notícia dizia ainda que o tal deputado tinha sido eleito vice-presidente da bancada parlamentar do psd, resta saber por que raio, por mérito de actuação duvido muito, Oh, terá sido por cunha, então que mais, opina um de vós, Se foi ou não, nunca o saberemos, certo é que este parece ser o triste deputado-tipo que nos calha em sorte.
6) Aproveito que alguém tenha falado em cunhas e cito Ângelo Correia, um politicão, dirigente social-democrata, “Meti dezenas, centenas de cunhas, com todo o prazer”. Revelador. E didáctico, pois assim compreendemos, com um exemplo prático, o significado da palavra Nepotismo. Sigo com as citações, está visto e comprovado que falam por si. “Se queremos uma gaja boa como o milho temos de a namorar”, arrepiante frase, plena de sapiência e chic, da autoria de Ribau Esteves, jovem galã de profissão, o cargo no psd é hobby [óbi] para desenfastiar. Promete, ao que tudo indica, ser um velho babão frequentador de bordéis, com, querem apostar, predilecção por rameiras peludas.
7) Já este ano, aquando das jornadas parlamentares do partido, Menezes disse de sua justiça, com a perspicácia, erudição e frontalidade a que, em tão pouco tempo, já nos habituou, ou deixou habituados, “Os que tiveram medo há três meses agora já perderam o medo, porque cheira a poder”, isto a propósito de quezílias e picardias internas. Esta coisa dos cheiros é matéria sensível, o olfacto é sentido dos mais parodiados, mas vou resistir à tentação, não vou dizer que o poder cheira a podre, muito menos que fede a merda.
8) Poderíamos, bastava querermos, estar aqui mais umas boas horas a folhear, ou seria melhor dizer desfolhar, este exemplário, o qual, repita-se por via das dúvidas, juntamente com o que até aqui se disse, tem aspirações a provar em juízo a sentença de Miguel Sousa Tavares, ou de Anónimo Português, “o psd é o partido mais português de Portugal”. Mas já vai longa a conversa, já a noite se olvidou dos seus tempos de criança, de modo que menciono uma frase mais e termino. “Estão ali uns indivíduos, não tenho tempo, podes recebê-los”, quem pediu este inocente favorzinho foi o ao tempo senhor presidente da Câmara municipal de Lisboa, cml, Pedro Santana Lopes, no caso citado por Carmona Rodrigues, que tentava aclarar os passos do seu primeiro contacto com a Bragaparques enquanto desempenhava funções na cml. Isto é o equivalente político-partidário de um qualquer behind the scenes cinematográfico, e é, no mínimo dos mínimos, sinistro. É, ora bem, a verificação da veracidade do que disse Tavares, ou qualquer outro(a) senhor(a). Será, enfim, um retrato fidedigno da política partidária portuguesa. Agora ergamos os nossos punhos e gritemos bem alto Pê-ésse-dê, pê-ésse-dê, pê-ésse-dê.
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Post-scriptum, I) Posso fazer-vos uma pergunta, Sim, à vontade, Obrigado, então é a seguinte, quem paga os salários dos membros do psd e demais partidos da chamada Oposição, II) O autor da sábia frase não foi Miguel Sousa Tavares. Segundo o próprio, é “voz corrente entre os sociais-democratas” dizer-se que o psd é o mais português dos partidos portugueses. Tal atribuição é obra e graça de um jornalista de uma revista de um jornal, pouco adianta especificar a origem da falácia além do que se acaba de fazer, Diz lá, agora fiquei curiosa, Não, não vejo como isso possa adiantar o que quer que seja, Então para que é que andaste o tempo todo a alimentar a dúvida, Foi para criar um clima de suspense, Hum, Para atrair o leitor, Ah ok, sabes que não resultou, não sabes, Eh pá, não me digas isso que fico ainda mais desmotivado, Então diz-me quem foi o tal jornalista que mentiu, Querias, Oh.

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