Lista de Bardamerdas a Abater em Nome do Sacrossanto e Indefectível Bom-Senso: instauração e primeira entrada.

Por motivos já bastamente escalpelizados noutras ocasiões e desbastes, e em virtude da obscena sucessão de cenas da mais ajavardada pornografia político-moral e económica em pleno horário-nobre (não olvidando as perpetradas pela calada das noites), consideram os ora presentes signatários como sendo de inestimável presteza às gentes contemporâneas e vindouras precipitar a criação da doravante designada Lista de Bardamerdas a Abater em Nome do Sacrossanto e Indefectível Bom-Senso.
Lido, ratificado e assinado.
Aos 26 de Janeiro do ano de 2010 da era Cristã.
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1.º Réu: Jorge Coelho, 55 anos de idade, actual CEO da Mota-Engil, empresa de construção civil.
Chamado a responder pelo sucedido na auto-estrada número dezasseis (d.d. A16), via rodoviária que faz a ligação entre a A9-CREL, em Sintra, e a A5, em Alcabideche, num investimento total de 256 milhões de euros, inaugurada há sensivelmente três meses e cuja concessão foi atribuída à Ascendi (empresa com participação maioritária dos grupos Mota-Engil e Espírito Santo) para os próximos 30 anos.
Sucedeu portanto um abatimento do piso da dita A16, com prejuízo para os seus utentes e com invariável peso nas contas públicas, não só pelo que foi mal gasto aquando da sua obra, como também pelo que implicará a actual restauração das condições de trânsito, e isto sem que se tenha verificado qualquer anormalidade de ordem climática (sem desprimor pelas abundantes chuvas com que a região foi brindada durante as santas festas da Família) ou militar (o que por sua vez atesta, dúvidas restassem, o abundante desinteresse geo-político e petrolífero da região de Belas). Confrontado com o texto da acusação, o réu Jorge Coelho declarou, e passamos a citar, que "não existe uma única estrada no país que não esteja a ser submetida a obras por força da chuva poderosa das últimas semanas". Num tom de crescente crispação e azedume, o réu acrescentou ainda que considera "não haver motivos" para acusação e que, se acusação existe, se fica a dever unicamente ao facto "de ser eu o presidente da Mota-Engil", o que, continuou o réu, "já me começa sinceramente a saturar". Lastimando a saturação do réu e as subsequentes implicações desse facto nomeadamente ao nível do seu bem-estar pessoal, a acusação refutou (sempre em tom respeitoso) que, ao momento das declarações do réu Jorge Coelho, cuidadosamente reproduzidas no presente auto, não havia notícia de um único caso para amostra de trabalhos de reparação de vias motivado pela referida "chuva poderosa", dado que o réu optou por ignorar, acostumado que está a saber somente o que lhe convém e a escudar-se na mais abjecta impunidade.
A sessão de confrontação quedou-se, mais coisa menos coisa, pelo que acima se redigiu, não havendo nada mais com merecimentos de registo.
Pelo que ora é dado ao conhecimento público, pelo que a memória colectiva e individual guarda e faz durar no que concerne à personalidade em julgamento, e levando em linha de conta não só a posição dominante e interessada da Mota-Engil por força das ligações aliás descaradas do réu Jorge Coelho ao partido do Governo (PS), tendo de resto desempenhado funções ministeriais nas Obras Públicas nas vésperas da chamada para o cargo que actualmente ocupa, mas pesando igualmente todos os cargos públicos de soberania assumidos no passado pelo réu, com a correspondente carga de responsabilidade, bem como com a totalidade de privilégios injustificados e consagrados daí resultantes, decidem os ora presentes signatários, por unanimidade e em consciência, com base nas evidências e com a pompa devida à primeira entrada em tão assinalável lista, incluir Jorge Coelho, 55 anos, na Lista de Bardamerdas a Abater em Nome do Sacrossanto e Indefectível Bom-Senso.
Lido, ratificado e assinado.

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