Tinha a boca escancarada num riso grotesco, que realçava a dentadura horrenda, de presas enormes, espaçadas a ponto de entre elas caberem dedos mínimos - uns dentes amarelecidos do café, acizentados do tabaco, esverdeados da falta de escovagem, a boca enorme deformada num esgar de atrofio muscular; os olhos, saídos e amarelados, cheios de pequeninos veios encarnados, sob um sobrolho aparentemente cansado, brilhantes da cerveja; a testa, pequena e abaulada, vincada de sulcos sebentos; o cabelinho curto, mal aparado, crespo e oleoso, salpicado aqui e ali por crostazinhas de caspa; a voz, simplesmente animalesca, como um grunhido cavo, às vezes rouco, como a rosnar, outras vezes agudo, como um silvo; o andar, tosco e nervoso, como um espasmo contínuo, deixava gravada a impressão de estarem os ossos a esticar até ao limite a pele seca e curtida, quase a esgaçá-la encarniçadamente em rasgos dolorosos; de resto, todo ele era ossudo: a fuça longa, os ombros encovados, as manápulas pejadas de cravos, os joelhos tortos; e os pés! uns chispes bestiais, indecentes, longos e estreitos, curvos e pesados, estrafegados por umas botas de trabalho, pretas e gastas, de couro e sola de borracha, com uns atacadores gigantescos, do topo da língua da bota até à biqueira reforçada; estava, aliás, completamente fardado: era bombeiro.

Mensagens populares deste blogue

Algo de errado se passa.

Desencontro, ou Enquanto as ervilhas cozem

Os números COVID-19: ou latos em excesso, ou inconsistentes, ou pouco consolidados