André

Usam comigo um olhar estranho as pessoas. Como quem pergunta. André. Olhar de ponto de interrogação e reticências. Poisam o seu olhar estranho nos meus olhos e depois vagueiam em volta, pela cara do resto. Não me intrigou a primeira pessoa que isso comigo usou. Mas os parezinhos de olhos foram se sucedendo. Mil pares de vozes impossíveis, todas à uma. André. E finalmente fiquei intrigado eu. Pensei Tenho de chegar a um espelho. Chamei o elevador. Um um tomou o lugar de um dois e um zero vermelho respondeu-me ao apelo com um som sem cor. Apartaram-se as portas com irreprensível geometria. Do meio delas assalta-me novo par de olhos. André. Subo ao piso número dois. Desbloqueio a porta dos vestiários e faço-me entrar. Adiante, à mão esquerda, uma fileira de espelhos, meia dúzia deles, seis sábias bocas a esclarecer-me prontas, saiba eu ouvi-las. Num súbito impulso, porém, giro à direita direito a uma porta branca com trinco. Trincada. Levanto o tampo e acomodo-me a adiar uns minutos mais o confronto esclarecedor com a superfície franca do espelho. Quero saber qual é a minha cara. Qual é a cara que trago posta. Quero qual a cara minha saber. Qual quero a minha cara sabida. Saber quero qual a posta que trago metida. Qual a cara que trago no sítio da cara. Quero ver a cara que quero saber. Porquê daqueles olhares para a minha cara. Levanto-me, limpo-me, autoclismo-a. Afasto a porta branca trincada. Espelho-me. Mas só um par de olhos mais me fita. André.

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