Crónica futebolística

O meu clube venceu a meia-final. O outro clube ficou-se de meio-finalista vencido. O árbitro não fez amigos novos, mau grado tanto hand-shake antes e depois da partida. A bola foi pisada, chutada, socada, cabeceada. A bola foi malapatada. A relva rasgou-se em torrões de areia. Jogadores houve que se amachucaram, em número de três, encaminhados para a linha lateral para darem a vez a outros que os aguardavam ansiosos. Dos que se avariaram, um, da formação rival, mostrou-se deveras contrariado. Urrou com as artérias do pescoço enfunadas e esmurrou o relvado num salpico de areia, todo o tempo envolto numa mudez bidimensional de ecrã de televisão. Outro escavacou-se na bacia e quedou-se como destroço no chão, mas ninguém se mostrou impressionado, tanto mais que os poucos que se foram achegando ao desgraçado o fizeram no exclusivo intuito de esticar o braço ao saco do massagista, donde não paravam de brotar garrafas de água. Saiu o desembaciado já anónimo, escondido por repetições de chutos e fintas dos avançados de uma e outra equipas. O terceiro, atleta do meu emblema, fez-me crer que alguma coisa o aborrecia muito naquele desafio e que o ter-se aleijado até calhou bem. Ou isso, ou terá aceitado com sabedoria estóica aquela avaria das pernas. Jamais o saberemos. As linhas do campo, essas, estavam muito bem direitinhas e nos sítios consagrados. O público entrou no princípio, assistiu das bancadas e saiu no fim. Os treinadores deram muitas ordens com os dedos espetados e sempre foram ajeitando a braçadeira de tê bordado à manga dos bleiseres. Os futebolistas cuspiram muitas escarretas nos grandes planos da realização. Os holofotes do estádio apagaram o escuro da noite. O futebol matou-se mais um bocadinho.

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