Da manifestação de professores

1Ao cabo de longos meses de desatino entre sindicatos de professores e Ministério da Educação, eis que se reúnem no Terreiro do Paço nada menos que 120 mil docentes, num protesto que, até pelos números apresentados, é tudo menos habitual na nossa domesticada e caseira sociedade. Sem embargo, o respeitável número da manifestação da passada semana não deve, em verdade, ser confundido com uma prova de razão que, por mais simples e infantis sejam os porquês e comos dum confronto, nunca é pertença exclusiva de um dos lados.
2De resto, acho já algo injustificada e desproporcionada a contestação da classe docente acerca de um modelo de avaliação de professores que, em abono da verdade, não teve ainda tempo para amadurecer e melhorar. Além disso, não tomei conhecimento de qualquer proposta concreta para um novo modelo apresentada pelos professores ou pelos seus representantes sindicais [nota: ao que parece, os conselhos directivos de algumas escolas já apresentaram modelos alternativos ao ME. Com efeito, não tomei conhecimento de qualquer contra-proposta, mas isso ficar-se-á a dever ao simples facto de que não andei com a atenção devida a esta questão. E isso não será menos verdade se considerar que, como já devia saber, não é de contra-propostas e chatices afins que se fazem telejornais, que é, isso sim, de chuvas de ovos que eles se ocupam quase em exclusivo].
3Por outro lado, a propaganda governamental que, em especial nos primórdios desta peleja, pautou a acção e reacção do ministério é revoltante e abjecta. Ademais, se o modelo proposto não serve os interesses de instrução das escolas, e, pior, visa outros objectivos menos dignos, como a redução salarial, o congelamento da evolução das carreiras e a burocratização das relações intra-escolares, então impõe-se uma resposta popular e da classe forte e visível.
4No entanto, não deixo de pensar que, no avesso dum protesto que tem tudo para ser legítimo e defensável, outro mote se esconde. Muito simplesmente, o conforto de não ser avaliado.
5Afinal de contas, a qualidade média do ensino é, dizendo-o com brandura, fraca. A juntar a isso, as regalias profissionais concedidas aos professores têm, mais do que deviam, um usufruto perverso, de desleixo e mau serviço.
6Finalmente, acho impressionante a revolta que um mau modelo de avaliação provoca, se comparada com a aparente indiferença por parte dos protestantes em relação à falta de condições das salas de aula e recintos escolares, as tantas vezes desumanas regras de colocação de professores, a desajustada oferta formativa nas universidades relativamente ao mercado de emprego, a deficiente e ingrata participação no percurso escolar dos alunos por parte dos encarregados de educação, o desrespeito e desconsideração a que, com ou sem violência física, são votados pelas turmas, entre tantas outras coisas que, sem sombra de dúvida, são fulcrais na instrução escolar.

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