Corsários negros

Do mesmo modo que vejo o terrorismo sobretudo como uma prática decorrente de uma injustiça primordial e um meio efectivo e desesperado de luta ao alcance das vítimas dessa injustiça, penso que a pirataria é sobretudo uma resposta igualmente extrema à subjugação que, no caso da Somália, sempre foi imposta àquelas gentes em especial desde os finais do século XIX.
Uma reportagem do Público de sexta-feira passada em Haradhere dava conta de que, para os somalis daquela pequena cidade costeira para onde foi levado o gigante Sirius Star (símbolo supremo dum dos maiores cancros da sociedade industrializada), os piratas representavam fonte de comércio, emprego e, mais importante, comida. O bloqueio naval proposto ontem pelo director-chefe da toda-poderosa Intertanko, e felizmente posto de parte pela NATO, prejudicaria, em primeiro lugar e à imagem de outros embargos exóticos, a população local.
A este propósito seria pertinente questionar sobre em que contexto floresceu a pirataria. Nesta mesma linha, creio que seria pertinente analisar os motivos que poderão estar na origem dos extremismos que chegam às nossas televisões na forma de atentados terroristas.
Na sua dogmática luta contra o «terrorismo internacional», as tropas de Bush e seus aliados mataram vários milhares de civis afegãos e iraquianos (entre outros). Muitos mais, é escusado lembrá-lo, que os mortos provocados por aqueles grupos terroristas que o governo norte-americano diz combater. Os pratos da balança parecem pender conforme a terminologia consagrada, como já tive oportunidade de mencionar, e não tanto pelo meio e resultado dos actos em si, numa sobreposição muito sugestiva da importância do designativo sobre o designado.
Os piratas não são os maus da fita. Os grandes armadores não são os bons da fita. Mas nem aqueles são os Bons, nem estes os Maus. A ideia é precisamente esta: abolir maniqueísmos gerados por preconceitos culturais e interesses económicos.

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