Muito fumo, muito boi, e já passou um ano

O ano passado, por esta altura, o grosso dos intelectualóides portugueses insurgia-se contra a restrição ao fumício em locais públicos que arrancou no primeiro dia de 2008. Esse gado afectado e cheio de si lá foi – como é seu apanágio – esbanjando o espaço do espaço público (publicado) com as suas birras umbiguistas e questiúnculas de meia-tigela, enformadas sempre na mais impecável das retóricas e adornadas sempre pelos seus factores externos de credibilidade (que tantas vezes constituem exactamente o todo dessa mesma credibilidade) – dos três nomes falo, das barbas falo, dos semblantes falo, dos títulos falo, das estantes de livros ao estilo de papel de parede falo. Desgraçadamente, lá foram zurrando contra uma suposta violação de direitos e liberdades individuais; lá foram balindo argumentos de índole económica da mais elementar ingenuidade – do encerramento massivo de bares, restaurantes e discotecas falo, da quebra drástica de receitas oriundas de impostos para o governo & suas maleitas falo; lá foram, inclusive, ganindo por um movimento popular de desobidiência civil – que delírio! E tudo isto num crescendo, como que embalados pelo aumento do volume do coro de protestos, como que querendo substituir pura e simplesmente o contraditório pela repetição cega e surda e pela insistência mimada. Recordo-me duma reportagem televisiva num qualquer café lisboeta, onde os proprietários haviam já preparado o estabelecimento conforme a lei para que os seus clientes pudessem continuar a fumar à mesa. As câmaras fixaram-se então num grupo desses tristes bovinos de que falava (honestamente, já nem me recordo de quem eram as peças) e que pareciam realmente crer que, por coincidirem fisicamente com um certo estereótipo, eram “intelectuais”. Depois de repetirem as parvoíces a que já me referi, e nuns planos em que o jornalista falava em voz off, aquela carneirada pseudo-intelectual soprava ostensivamente o fumo dos seus cigarros, envolta numa neblina que podia muito bem ser a projecção exterior do miolo dos seus miolos, como se não passassem de jovens rebeldes a riscar paredes ou a tocar às campainhas à vista da polícia ou dos pais – e aparentemente sentindo-se como verdadeiros revolucionários, como grandes contestatários, como resistentes, felizes como nunca, nos píncaros da sua intelectualidade! Que figuras. Olhando para trás, à distância de um ano, mais coisa menos coisa, a patetice da altura amplifica-se para um perfeito ridículo – que, fatalmente, parece caracterizar uma boa parte (a mais visível, talvez) da fauna dita intelectual da nossa ditosa sociedade.

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