Fragmentos XIX

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O amor só se completa depois que a relação estatutária e socialmente consagrada como sua mais idónea concretização se consuma e, sobretudo, se fina, e não é justamente no momento do seu término, não senhor, leva tempo, quanto, ao certo, não sei, é conforme cada qual, mas estou certo disto que te digo, e mais te digo, aqui entre nós que ninguém nos ouve, se é certo que o amor traz felicidade, e parece, com efeito, ser isso que o amor traz, eis tudo porque não sou feliz. Ele dizia-me isto com um sorriso murcho que parecia realmente querer disfarçar a sua profunda tristeza (ou seria frustração?). Parecia, também, desforrar-se (como se dum jogo se tratasse) por ter tão completa consciência do porquê e como daquela eterna ruga que lhe marcava o rosto e a fisionomia. De resto, tudo tinha para, seguindo a sua teoria, “completar” o amor e ser, assim, feliz: bastava-lhe tão-só pôr cobro à relação que tinha, nada mais simples. Mas e a dor?, murmurava ele com o olhar fixo no nada. Ora, é o preço da felicidade, dizia-lhe eu, meio a brincar, ao que ele me respondia: não compreendes, não é a dor da separação, é a dor que a felicidade mata, a mesma dor que me inspira e anima.
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